Ciência e tecnologia: a urgência de um compromisso do setor privado

Por Antônio Márcio Buainain

Ciência e tecnologia: a urgê

Por Antônio Márcio Buainain

Em tempos de aceleradas transformações tecnológicas e pressões crescentes por sustentabilidade, ciência e tecnologia assumem papel ainda mais central no desenvolvimento em geral e no enfrentamento dos desafios nacionais e globais. Quando falamos em tecnologia, referimo-nos à aplicação prática do conhecimento científico em benefício da sociedade. A despeito da unanimidade em relação à importância da ciência, a relação entre a comunidade científica e o setor produtivo brasileiro continua marcada por distanciamentos, incompreensões e, não raro, por uma expectativa equivocada de que o cientista esteja a serviço de interesses específicos — como se fosse um consultor contratado para validar decisões previamente tomadas.

Essa confusão entre os papéis do cientista e do consultor não é trivial. O cientista está comprometido com a produção de conhecimento novo, baseado em métodos rigorosos, revisão crítica por pares e liberdade intelectual. Já o consultor atua aplicando conhecimentos existentes para resolver problemas específicos e oferecer respostas práticas, muitas vezes sob demanda de clientes com objetivos claramente definidos. Ambos os papéis são legítimos e necessários, mas é essencial que estejam claramente diferenciados — e, mais importante, que sejam reconhecidos como tal pela sociedade e pelo setor produtivo.

Quando esses papéis se confundem — seja porque o cientista veste o chapéu do consultor sem declarar, seja porque se engaja em causas políticas ou ideológicas sob a autoridade da ciência —, cria-se um ruído que mina a confiança do público e dificulta o diálogo honesto com o setor produtivo. O resultado é um círculo vicioso: o setor privado se distancia da ciência, apoia apenas iniciativas que ecoam suas crenças e expectativas, e os centros de pesquisa, por sua vez, veem-se tolhidos em sua liberdade investigativa e dependentes do financiamento público, sempre escasso e vulnerável a contingências políticas.

Esse distanciamento prejudica a todos. O setor produtivo perde acesso a conhecimento estratégico e inovações de ponta. A ciência perde oportunidades de aplicação e financiamento. E a sociedade fica privada de soluções sustentáveis, desenhadas com base em evidências robustas e com compromisso público. Não há sustentabilidade sem ciência. Mas também não há ciência viva sem liberdade e sem financiamento estável. Quando o setor privado não compreende ou reconhece essa diferença, ele deixa de apoiar a ciência e, consequentemente, reduz sua própria capacidade de inovar e liderar mercados.

O modelo predominante em nosso país ainda considera que o investimento em ciência é uma responsabilidade quase exclusiva do Estado. Essa visão é limitada e prejudicial ao progresso. Em países líderes em inovação, o setor privado investe de forma expressiva não apenas em pesquisa aplicada, mas também em ciência básica — aquela que, à primeira vista, não traz resultados imediatos, mas que constitui o alicerce sobre o qual se constroem soluções futuras. Essas nações entenderam que a ciência é um ativo estratégico, e não um custo, e o setor privado participa mais ativamente do financiamento à ciência e parece reconhecer que esse investimento retorna como eficiência, competitividade e soluções inovadoras e sustentáveis. O Brasil tem exemplos notáveis de sucesso, como a Embrapa, cujos avanços ajudaram a transformar a agricultura tropical e tornar o país um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo. É verdade que esse êxito resultou majoritariamente de investimentos públicos, mas há também experiências de parcerias público-privadas bem-sucedidas, como as desenvolvidas por institutos ligados ao setor sucroalcooleiro, em especial nos anos 2000, com programas voltados à melhoria genética da cana-de-açúcar e ao desenvolvimento de biotecnologias industriais.

Infelizmente, entre nós ainda predomina uma visão utilitarista e reativa: busca-se a ciência apenas quando ela “ajuda” a sustentar determinada posição. Pouco se investe em estruturas permanentes, em linhas de pesquisa de longo prazo ou em parcerias genuínas com centros acadêmicos. O resultado é um sistema vulnerável e suscetível a interferências, inclusive políticas.

Essa visão afeta tanto as universidades e institutos públicos de pesquisa como iniciativas da sociedade civil que encontram dificuldades para se financiar. Cito, como exemplo, o Conselho Científico de Agricultura Sustentável (CCAS – https://agriculturasustentavel.org.br/), que reúne cientistas de diferentes áreas e formações, que trabalham pro bono, com o objetivo de demonstrar como o conhecimento científico pode contribuir para a sustentabilidade e competitividade do agronegócio brasileiro. A pluralidade de visões e experiências dos conselheiros favorece o debate técnico qualificado e a construção coletiva de soluções baseadas em ciência. Também permite a intervenção nos debates públicos, muitos eivados por preconceitos e narrativas que pouco têm a ver com a realidade, contribuindo para a difusão de informações científicas junto à sociedade em geral. É preciso esclarecer que nem toda informação científica traduz a verdade dos fatos; se assim fosse, a própria ciência, cuja base é a pergunta que se origina da dúvida, da vontade de esclarecer e conhecer, ficaria paralisada. No entanto, a dificuldade de financiamento e o ceticismo por parte de segmentos do setor privado limitam o potencial de atuação de iniciativas dessa natureza, evidenciando o desafio de consolidar uma cultura de valorização da ciência independente.

A crise de confiança na ciência observada em diversas partes do mundo, incluindo democracias maduras, também lança luz sobre esse problema. O episódio recente nos Estados Unidos, durante o governo Trump, evidenciou o quanto as instituições científicas podem ser atacadas e instrumentalizadas por interesses políticos. As consequências dos ataques a universidades como Columbia e Harvard, restringindo a liberdade acadêmica e cortando fundos que podem comprometer a capacidade de gerar conhecimento e soluções para a sociedade, são inimagináveis. O avanço do negacionismo em áreas como mudanças climáticas, vacinação e saúde pública expôs os riscos de uma ciência fragilizada e associada, por vezes, a militâncias ideológicas — mesmo quando bem-intencionadas. A politização da ciência, de um lado, e o ceticismo deliberado, de outro, formam uma combinação perigosa, que compromete a credibilidade do conhecimento científico e sua capacidade de orientar políticas públicas e decisões estratégicas.

É necessário inverter essa lógica. O setor privado precisa compreender que investir em ciência — com liberdade e autonomia — é uma decisão estratégica. Não se trata de filantropia nem de marketing, mas de visão de futuro. Uma visão que exige confiança mútua, clareza de papéis e disposição para o diálogo e a escuta.

O Brasil possui capital humano de excelência, instituições de pesquisa reconhecidas internacionalmente e setores produtivos com ambições globais. Mas não haverá protagonismo sustentável sem uma base científica sólida. Ciência e tecnologia não podem continuar sendo tratadas como acessórios convenientes. São pilares estruturais do desenvolvimento nacional.

O convite está feito: é hora de transformar a relação entre ciência e setor privado. De abandonar a postura reativa e assumir um papel de protagonista no financiamento, na valorização e na escuta ativa da ciência. Só assim poderemos construir uma agenda consistente de inovação, sustentabilidade e inclusão.


Antônio Márcio Buainain, Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do INCT/PPED e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)

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