Por Aline Locks
Cada vez que a palavra guerra entra em cena deve-se esperar algo de ruim. Embora, ao fim delas, se fale em vencedores e perdedores, a ideia de que haverá vítimas e perdas pelo caminho já é de se lamentar.
Assim, mesmo as guerras sem armas, como o atual embate tarifário proposto pelo governo dos Estados Unidos contra todas as demais nações do planeta, tendem a deixar rastros de vítimas e destruição, impactando não apenas quem está diretamente envolvido, mas todo o ambiente a sua volta.
No caso da nova guerra comercial mundial proposta por Donald Trump, a contabilização de danos começa na economia, passa pelas bolsas de valores e pode terminar nas nossas lavouras, matas e rios.
Ao ameaçar fragmentar o comércio global, a imposição de novas tarifas coloca em risco imensas cadeias de fornecimento e produção nos mais diferentes setores, incluídos aqui o fluxo internacional de commodities e de alimentos.
Essas cadeias levaram décadas sendo moldadas e aperfeiçoadas, com uma interconexão entre zonas produtoras e mercados consumidores que parecia consolidada. Hoje, diante das interrogações suscitadas por Washington, mostram-se frágeis.
Sua desestabilização por medidas protecionistas pode levar a aumentos de preços, escassez de produtos em vários mercados e retrocessos no desenvolvimento e na utilização de práticas mais avançadas de cultivo, com maior produtividade e menor impacto socioambiental.
A concretização e a perenização de um ambiente mais hostil nas relações comerciais internacionais podem, aos poucos, gerar um efeito dominó perverso, com consequências, essas sim, globalizadas.
Algumas implicações, diretas e indiretas, já podem ser vislumbradas na sustentabilidade do agronegócio:
Aumento dos Custos de Produção: Tarifas elevadas podem encarecer insumos agrícolas, levando produtores a buscar alternativas potencialmente menos sustentáveis para reduzir custos;
Pressão para intensificação agrícola insustentável: Com a mudança brusca nas cadeias produtivas globais, agricultores de países exportadores não afetados diretamente pelas tarifas (ex: Brasil, Argentina, Ucrânia) podem ser estimulados a aumentar rapidamente sua produção para suprir demandas adicionais.
Esse crescimento acelerado, sem uma gestão sustentável dos recursos naturais, levaria à expansão descontrolada de áreas agrícolas, causando desmatamento, erosão de solos e maior uso de fertilizantes químicos e pesticidas;
Dificuldade para adoção de novas tecnologias: Tarifas elevadas aumentam custos de insumos agrícolas importados, como fertilizantes mais sustentáveis e equipamentos agrícolas avançados (por exemplo, drones para agricultura de precisão).
Agricultores podem optar por insumos e equipamentos mais baratos e menos eficientes.
Interrupção das cadeias produtivas responsáveis: Muitos produtores agrícolas globais investiram anos construindo cadeias produtivas sustentáveis e responsáveis (como certificações ambientais e sociais). As tarifas podem interromper esses esforços ao desviar os mercados e pressionar por soluções rápidas e imediatistas, menos preocupadas com critérios socioambientais.
Ainda que as guerras tarifárias possam representar um cenário desafiador, o agronegócio brasileiro tem demonstrado uma capacidade crescente de responder com responsabilidade e inovação.
Nos últimos anos, produtores rurais têm investido em tecnologias de ponta, práticas regenerativas e ferramentas de monitoramento ambiental que permitem expandir a produção com menor impacto.
A adoção da agricultura regenerativa, por exemplo, tem reduzido a dependência de fertilizantes químicos e aumentado a resiliência das propriedades frente às oscilações do mercado internacional.
Além disso, cresce o uso de bioinsumos, sistemas integrados de produção (como ILPF), e plataformas digitais que oferecem diagnósticos ambientais e orientações técnicas em tempo real.
Essas soluções promovem ganhos de eficiência, reduzem riscos e tornam os produtores menos vulneráveis à volatilidade externa. Essa evolução não apenas atende às exigências dos mercados internacionais como reforça o papel do Brasil como protagonista em sustentabilidade agroambiental.
O país mostra-se mais preparado para aproveitar oportunidades globais sem abrir mão de sua legislação ambiental, uma das mais rigorosas do mundo, e dos compromissos socioambientais assumidos internacionalmente.
Impactado com a menor faixa de tarifas impostas pelos Estados Unidos (10%), o Brasil tem mantido, até agora, uma posição de neutralidade, sem adotar medidas de reciprocidade ou de alinhamento a qualquer outro país ou bloco.
A percepção de que dos males ficamos com o menor chega a gerar um olhar positivo, de oportunidade para que os exportadores brasileiros ocupem brechas abertas em fronts mais acalorados.
Para muitos, uma eventual redução da participação dos EUA em mercados como China e Europa, por exemplo, abriria espaço imediato para maior exportação de soja, milho, carnes e algodão do Brasil.
O agro brasileiro, de fato, tem capacidade de ampliar sua participação no mercado global de alimentos, fibras e biocombustíveis. Mas deve deixar de estar atento, da mesma forma, a outras barreiras não tarifárias.
Esse aumento de produção não deve se refletir em expansão rápida e descontrolada da fronteira agrícola em regiões sensíveis, como Cerrado e Amazônia, causando danos ambientais severos caso não seja devidamente gerenciado.
Ao contrário, devemos aumentar a pressão pelo uso de práticas sustentáveis como diferencial competitivo, fortalecendo a nossa posição como fornecedor global sustentável e valorizando produtos certificados, livres de desmatamento e com baixo impacto ambiental.
Práticas sustentáveis e transparência total (rastreabilidade e monitoramento via satélite, blockchain, certificações ambientais e sociais robustas) tornam-se imprescindíveis para blindar as exportações brasileiras.
Elas, sim, abririam de vez as portas de mercados exigentes como o da União Europeia.
Amplia-se, assim, a oportunidade para empresas brasileiras investirem mais fortemente em sustentabilidade como estratégia de diferenciação e redução de riscos comerciais futuros.
Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo, solução que já apoiou a maneira como mais de 8 milhões de hectares de terras são gerenciados, através da integração de boas práticas produtivas, respeito às pessoas e aos recursos naturais. Liderou projetos com foco em inovação e tecnologia, como o 'Conectar para Transformar', um dos vencedores do Google Impact Challenge Brazil. Recentemente foi selecionada pela Época Negócios como um dos nomes inovadores pelo clima, é uma das 100 Mulheres Poderosas da revista Forbes e uma das líderes do agronegócio 2021/2022 pela revista Dinheiro Rural.