André Rocha, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG) e líder do Sifaeg e do Sifaçúcar, é uma das principais vozes da indústria goiana. Com uma trajetória sólida no setor, Rocha também preside o Sind-Bio e o LIDE-Goiás, além de integrar conselhos estratégicos como o da CNI e da FIESP. Nesta entrevista, ele aborda os desafios e oportunidades da bioenergia, a importância da qualificação profissional e o papel das políticas públicas na competitividade industrial.
Canal da Cana: O senhor tem destacado a importância do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) para o fortalecimento do setor de bioenergia no Brasil. Quais medidas específicas estão sendo implementadas em Goiás para alinhar o setor industrial às metas de descarbonização e sustentabilidade?
André Rocha: O governo de Goiás tem tomado diversas iniciativas para descarbonizar a economia, incluindo a matriz de transporte. Uma das principais ações foi o incentivo ao uso do etanol na frota pública estadual, determinado pelo governador desde abril do ano passado. Além disso, foram aprimorados os incentivos fiscais para etanol hidratado e anidro, tanto de cana quanto de milho, visando atrair investimentos e aumentar a produção.
Goiás ocupa uma posição estratégica no setor sucroenergético, sendo o terceiro maior produtor de cana, etanol e açúcar. Quando combinamos esses fatores, o estado se consolida como o segundo maior produtor geral do setor no Brasil. Além disso, o governo estadual tem incentivado a produção de biogás e biometano, criando um programa pioneiro que já estimula investimentos privados, como a aquisição de 500 ônibus movidos a biometano para garantir a demanda desse combustível sustentável.
Canal da Cana: Quais são os principais desafios que a indústria goiana enfrenta atualmente e como a FIEG pretende superá-los?
André Rocha: A indústria goiana enfrenta diversos desafios, como a alta carga tributária, a escassez de mão de obra qualificada, os elevados custos financeiros e os entraves logísticos. A redução dos incentivos fiscais, sobretudo devido a políticas federais, tem aumentado a desigualdade regional e dificultado investimentos. Além disso, o custo financeiro elevado, com a Selic em patamares altos, inibe novas iniciativas empresariais.
A infraestrutura logística também é um entrave. Precisamos de modais mais eficientes e com custos reduzidos. Um exemplo é o transporte ferroviário, que deveria ser mais barato para os usuários finais, mas muitas vezes apresenta preços próximos aos do transporte rodoviário, comprometendo a competitividade das indústrias.
Canal da Cana: O senhor enfatizou a necessidade de qualificação profissional para evitar um apagão de mão de obra. Quais iniciativas estão sendo planejadas para capacitar a força de trabalho local?
André Rocha: Estamos investindo fortemente na educação básica e profissionalizante. No sistema indústria, já incorporamos disciplinas como empreendedorismo, cooperativismo, educação financeira, robótica, programação e inglês. Também estamos construindo novas escolas profissionalizantes e adquirindo unidades móveis para treinamentos customizados dentro das próprias empresas.
Além disso, trabalhamos junto ao governo federal para incentivar a formalização dos beneficiários de programas sociais, permitindo que mantenham seus benefícios enquanto ingressam no mercado de trabalho. Em parceria com o governo de Goiás, ampliamos a oferta de bolsas de qualificação: de 390 formados há seis anos para mais de 12.300 em 2024, distribuídos em 18 municípios.
Canal da Cana: Quais inovações tecnológicas o senhor acredita serem fundamentais para aumentar a competitividade do setor sucroenergético em Goiás?
André Rocha: As empresas têm buscado maior eficiência operacional para compensar a falta de políticas públicas adequadas. Investimos na redução do consumo de água e energia, na melhora da produtividade agrícola e na diversificação da produção. Muitas indústrias estão flexibilizando suas operações para produzir etanol a partir do milho, permitindo o uso contínuo do parque fabril ao longo do ano.
A geração de bioenergia também é um foco estratégico. Empresas do setor estão apostando no biogás e no biometano, reduzindo sua pegada de carbono ao substituir o diesel por combustíveis renováveis. Além disso, há avanços na produção de bioinsumos e leveduras, ampliando a sustentabilidade e a eficiência do setor.
Canal da Cana: Como a FIEG tem fortalecido a parceria entre a indústria e o governo estadual para fomentar políticas públicas que incentivem o crescimento econômico?
André Rocha: Temos trabalhado em conjunto com o governo estadual para alinhar políticas públicas às necessidades do setor produtivo. Um exemplo é a replicação de incentivos fiscais de estados vizinhos, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para fortalecer a competitividade da indústria goiana. Essa estratégia já resultou na ampliação dos benefícios fiscais para grãos, etanol e biometano.
Além disso, o governo estadual tem dialogado com diversas entidades empresariais, incluindo a FIEG, para minimizar os impactos da reforma tributária e buscar soluções para os desafios logísticos. Nossa meta é garantir um ambiente de negócios mais atrativo e sustentável para as indústrias do estado.
Canal da cana: Quais são as expectativas para o mercado de bioenergia nos próximos anos?
André Rocha: O governo federal tem dado sinais positivos ao apoiar programas como o Paten, a Mobilidade Verde e o Combustível do Futuro. Esses programas reconhecem o papel do Brasil na transição energética e valorizam o potencial dos biocombustíveis, incluindo etanol, biodiesel, biometano e bioeletricidade.
Uma inovação importante foi a adoção do conceito de ciclo de vida completo na avaliação das emissões de carbono dos veículos, considerando desde a fabricação até o descarte. Isso reforça a importância dos biocombustíveis na descarbonização da economia e impulsiona novas oportunidades para o setor.
Canal da cana: Como o senhor equilibra suas responsabilidades à frente do Sifaeg, Sifaçúcar, Sind-Bio e FIEG?
André Rocha: Minha trajetória na FIEG começou há muitos anos, tendo atuado como diretor financeiro e primeiro vice-presidente. Isso me permitiu acompanhar de perto o planejamento estratégico da federação e estruturar uma equipe alinhada com os desafios do setor.
O segredo está na gestão eficiente do tempo: acordo cedo, durmo tarde e abro mão de compromissos secundários para focar nas ações estratégicas. Trabalho com equipes competentes e bem coordenadas, garantindo que cada entidade alcance seus objetivos sem sobrecarga.
Canal da Cana: Quais lições a pandemia de COVID-19 trouxe para o setor industrial em Goiás?
André Rocha: A pandemia evidenciou a importância de termos controle sobre nossas cadeias produtivas e parceiros estratégicos confiáveis. O Brasil ainda depende muito de insumos estrangeiros, como os Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFAs) para medicamentos, resinas plásticas e fertilizantes. Precisamos fortalecer nossa produção interna e diversificar fornecedores para evitar gargalos como os enfrentados durante a crise sanitária.
Os desafios globais também mostraram a necessidade de ampliar acordos comerciais e investir em tecnologias que garantam maior autonomia industrial. A guerra entre Ucrânia e Rússia, por exemplo, impactou diretamente o fornecimento de energia e insumos essenciais para a agroindústria, reforçando a urgência de estratégias mais robustas para garantir a resiliência econômica do Brasil.