Por Décio Luiz Gazzoni
A soja é conhecida pelos seus usos alimentares, tanto na alimentação humana – como ingrediente de alimentos, óleo de fritura ou tempero – quanto na formulação de rações para diversos animais. A versatilidade da composição química da soja permite uma grande variedade de usos. Seu perfil de aminoácidos é ideal para a formulação de rações, enquanto seu óleo tem uma gama surpreendente de aplicações.
Nas últimas duas décadas, a soja tornou-se uma alternativa atraente para substituir matérias-primas derivadas do petróleo, em uma ampla gama de produtos. Borrachas, fibras, plásticos, revestimentos, solventes, lubrificantes, adesivos e milhares de produtos de consumo utilizam a soja como ingrediente. E a demanda vai aumentar muito, com o avanço da Química Verde, que busca sucedâneos do petróleo para fornecer matéria prima às indústrias químicas.
Insumo industrial
A preferência crescente dos consumidores por matérias-primas renováveis e sustentáveis é um ponto favorável à soja. Nos últimos anos, a soja tem se mostrado mais barata que os insumos petroquímicos. Conduzida em sistemas de produção sustentáveis, a soja apresenta emissões de gases de efeito estufa (GEE) inferiores ao petróleo, permitindo às empresas atingir mais facilmente suas metas de sustentabilidade. O fato de fixar seu próprio nitrogênio da atmosfera, eliminando o uso de fertilizantes nitrogenados - cujo processo é altamente emissor de GEE - é um dos pontos positivos. Estudos demonstram a possibilidade de expandir a produção de soja, para atender usos não alimentares em bases sustentáveis, especialmente pelo incremento da produtividade Link.
A soja é transformada em insumos industriais utilizando processos como epoxidação, alcoólise, transesterificação, acidulação, esterificação direta, metátese, isomerização, modificação de monômeros e polimerização. Por meio deles podem ser obtidos ao menos seis insumos industriais básicos: a) triglicerídeos; b) ésteres de ácidos graxos; c) epóxidos de óleo de soja (ESBO); d) epóxidos de ésteres de ácidos graxos (SEM); e) glicerina; f) aminoácidos.
Os ácidos graxos do óleo de soja podem ser derivados em novas estruturas para fazer muitos tipos de revestimentos, incluindo resinas, látex modificado, diluentes reativos, aditivos funcionais, diácidos, dióis e dispersões de poliuretano.
Química verde
Inovações tecnológicas facilitam o ingresso da soja no mercado de química verde. A soja com alto teor de ácido oleico resulta em óleo que permanece estável em altas temperaturas, fator essencial para combustíveis e lubrificantes automotivos.
Os resultados desses esforços podem ser vistos em uma explosão de novas e inovadoras aplicações de soja. Quatro categorias principais dominam o mercado de usos não alimentícios hoje — revestimentos, adesivos, tintas e fibras. São inúmeros os produtos já disponíveis no mercado, que usam soja como insumo, com destaque para alguns deles, como o revestimento supressor de poeira (EPIC E) que é muito útil para revestir estradas de cascalho, reduzindo a poeira. Além de evitar que as partículas de poeira poluam o ar, estabiliza o piso das estradas de cascalho, reduzindo a necessidade de manutenção.
Os adesivos de soja reduzem a liberação de compostos orgânicos voláteis (COVs), como o formaldeído – um produto cancerígeno – e de um agente aglutinante usado no isolamento em construções. Existem inúmeros ligantes à base de soja. Um estudo da Iowa State University, financiado pela Iowa Soybean Association, resultou em asfalto à base de soja. O produto combina pavimento asfáltico 100% reciclado, misturado com um polímero derivado da soja, aumentando a durabilidade e a longevidade e reduzindo os custos de manutenção.
Por falar em rodovias, em 2021 a Goodyear passou a produzir pneus com óleo de soja. Seu objetivo declarado é eliminar a dependência de petróleo até 2040, um bom indicador para a demanda futura de soja. Usando a mesma tecnologia, os tênis de corrida Skechers são produzidos com óleo de soja.
Em outra linha, oligômeros produzidos com óleo de soja não contém bisfenol, uma substância associada a diversos problemas de saúde. A tecnologia é facilmente escalável em fábricas existentes e está pronta para comercialização. Proporciona excelente vida útil quando misturado com resinas e reticulantes de amina e é facilmente formulado com solventes e reticulantes para substratos metálicos.
Rampa de lançamento
Diversos usos não alimentares da soja estão sendo desenvolvidos. O uso da soja aumenta o bioconteúdo das formulações epóxi, substituindo solventes fósseis. Um projeto financiado pelo United Soybean Board desenvolve um produto para melhorar a resistência de epóxis ao impacto. Uma formulação de poliuretano à base de soja permite produzir vernizes e acrílicos, para acabamentos de madeira para interiores/exteriores, com resistência à umidade, chuvas e baixa emissão de COVs, a um custo mais baixo.
Um processo contínuo, já patenteado, sintetiza uma resina composta de farinha de soja, óleo de soja epoxidado e um polímero transportador e reduz os tempos de reação em lote convencionais de várias horas para alguns minutos. Um poliol de policarbonato de óleo de soja incorpora CO2 para revestimentos de poliuretano. Uma tecnologia alquídica produz revestimentos e corantes de madeira com baixas emissões de VOCs.
Existem centenas de outros exemplos de produtos não alimentares derivados de soja. Esses usos, além da ampliação das rações para o segmento de aquicultura, seguramente sustentarão e ampliarão a demanda da oleaginosa nos próximos anos. Uma oportunidade de ouro para o Brasil, se permanentemente comprovarmos ao mercado a sustentabilidade dos nossos sistemas de produção.
Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Agro Sustentável, do Comitê Estratégico Soja Brasil e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica