Com o fim do primeiro ano de governo, Brasil avança com Plano de Transformação Ecológica apesar de contradições

Por Luciana Sonck

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Por Luciana Sonck 

É incontestável que a COP 28, realizada entre novembro e dezembro em Dubai, foi uma das mais polêmicas e contraditórias. Enquanto a conferência de Quioto representou um desafio para a participação dos países na adesão de metas de redução de gases do efeito estufa (GEE), Dubai performou como aquela que teve maior adesão de lobistas das indústrias mais poluentes do mundo, como o petróleo e gás. Txai Suruí, uma das poucas lideranças de povos originários presentes no evento, sintetizou em uma crítica o que ficou marcado nesta COP: “para cada indígena, haviam sete lobistas presentes”.

O Brasil não ficou de fora no jogo das contradições ao ser apontado como uma vanguarda para o desenvolvimento sustentável no sul global, enquanto ao mesmo tempo abria o leilão de novas áreas de exploração de petróleo na Amazônia. Mas mesmo com esses problemas que foram evidenciados na COP, é preciso entender que há uma importante e urgente agenda ambiental sendo construída pelo governo ao longo deste primeiro ano de mandato.

Esse novo conjunto de políticas públicas é apresentado após um longo processo de governos que atuaram contra o meio ambiente. Mesmo os primeiros mandatos do PT avançaram pouco no tema. O que veio depois acabou destruindo o pouco que havia sido feito, levando o país ao status de vergonha internacional, depois de anos protagonizando as agendas do Desenvolvimento Sustentável, como na construção da Agenda 2030, por exemplo, em que o Itamaraty teve um papel fundamental.

Este é o primeiro governo que coloca em sua agenda política a descarbonização e o desmatamento zero. Isso é, realmente, inédito. Na esteira desse movimento, a criação de ministérios como o dos Povos Indígenas é, incontestavelmente, uma vanguarda global. Mas se o país não avançar na agenda de uma economia alinhada a esse movimento, será, mais uma vez, uma agenda perdida.

Não há mais como pensar medidas de desenvolvimento econômico e de sustentabilidade como forças antagônicas, que precisam ser conciliadas. Com a crise climática e os esforços globais para mitigar os problemas derivados dela, o momento é de pensar políticas públicas integradoras que repensem o modelo produtivo industrial que adotamos até aqui. O Desenvolvimento Sustentável representava até então, uma tentativa de conciliação de esforços entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, o Plano de Transição Ecológica (PTE) lançado pelo Governo Federal representa, de fato, uma tentativa de integração e não mais conciliação dessas duas agendas.

O Plano apresentado na COP 28 pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é ambicioso, mas necessário. Ao todo, possui mais de cem medidas divididas em seis eixos temáticos, sendo: financiamento sustentável; desenvolvimento tecnológico; bioeconomia; transição energética; economia circular e infraestrutura e adaptação às mudanças climáticas. Com custo estimado entre US$ 130 bilhões e US$ 160 bilhões por ano, o plano possui instrumentos regulatórios, fiscais, financeiros, operacionais e de fiscalização, como a construção do projeto da Taxonomia Sustentável brasileira, a regulação do mercado de carbono e o lançamento de títulos soberanos sustentáveis.

O cenário é favorável para o PTE, tanto nacional quanto internacionalmente, mas nem tudo serão flores. A dificuldade de implementação esbarra em conflitos de interesses e agendas políticas distintas das agendas econômicas. Praticar essa integração é um esforço que precisará contagiar os setores mais conservadores brasileiros, a exemplo da reforma tributária. Enquanto algumas ações passam com maior tranquilidade no Congresso, como a regulação do mercado de carbono ou a emissão de títulos verdes, ações como a tributação de atividades que impactam o meio ambiente são bem mais complicadas em um país alicerçado pelas commodities.

A retomada do Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDam) e o restabelecimento do Fundo Amazônia com amplos recursos são ações populares, assim como a urgente regulação da Política de Pagamento por Serviços Ambientais (parada nos últimos anos). Mas há poucos anos do cumprimento do Acordo de Paris (que vence em 2025, ano em que sediaremos a COP 30 em Belém), aquilo que não for implementado nos próximos dois anos será visto como greenwashing governamental.

Oportunidades não faltam. De acordo com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a demanda global por produtos amazônicos (cacau, açaí, pimenta-do-reino, frutas tropicais, peixes nativos, de uma lista de 64 itens já exportados), atinge US$ 176 bilhões no mercado internacional sendo que o Brasil atende a apenas 1,3% disso. O próprio Banco Mundial já estimava que a floresta em pé possui um valor sete vezes maior do que a exploração econômica como está, especialmente pelas oportunidades em bioeconomia e créditos de carbono.

Em relação aos serviços ecossistêmicos, que geram ao menos 125 trilhões de dólares por ano no mundo, é possível adicionar mais de 2,8 trilhões de reais ao PIB, gerando uma real contribuição na economia. As metas do eixo energético do PTE são importantes, buscando incorporar cada vez mais combustíveis renováveis às misturas como diesel e gasolina comum, elevando a demanda pela produção dos mesmos e podendo passar de uma participação de apenas 48,5% (2020) na matriz energética brasileira para 70% até 2050.

Além dessas oportunidades, não podemos deixar de apontar que o Plano de Transição Ecológica é uma demanda do mercado financeiro global. Dificuldades de negociação, como o próprio acordo do Mercosul com a União Europeia (especialmente reforçadas pelo presidente francês na COP 28), serão cada vez mais constantes para países que não transacionaram para uma economia de baixo carbono.

Com isso, o Plano de Transformação Ecológica pode ser sim o exemplo que o sul global precisa para avançar. Os estudos do governo federal apontam que podem ser criados de 7,5 milhões a 10 milhões de empregos. Todos poderão se beneficiar dessa mudança. Agora o desafio do governo federal é colocá-la em prática e fazer a lição de casa do enfrentamento às suas contradições estruturais.


Luciana Sonck mestra em planejamento territorial, especialista em governança e sócia-fundadora e CEO da Tewá 225

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