Variedades mais produtivas

Por Décio Luiz Gazzoni

Variedades mais produtivas

Por Décio Luiz Gazzoni

Desde priscas eras nós, humanos, domesticamos e adaptamos a produtividade e a qualidade de plantas e animais, para atender nossas necessidades. Ao longo dos últimos 50 anos, tem sido registrado um ganho médio de 1% ao ano, no rendimento das plantas cultivadas, que produzem grãos. No presente século, as novas ferramentas de melhoramento, em especial aquelas lastreadas em biotecnologia, permitem acelerar a criação de novas variedades, mais produtivas e de melhor qualidade. Vejamos alguns exemplos.

Arroz

O arroz é o grão mais cultivado no mundo. Na última safra, a colheita foi de 520 milhões de toneladas. Entre os estudos mais recentes para melhoria do arroz, chama a atenção o trabalho da equipe do Dr. Shaobo Wei. O time realizou uma análise comparativa de transcriptomas e metabolomas de milho e arroz (bitly.ws/thpC), revelando 118 fatores de transcrição (FT) que podem atuar como reguladores da fotossíntese de plantas. Os FTs são proteínas que se ligam ao DNA e propiciam a capacidade de controlar a expressão gênica sob diferentes estímulos metabólicos ou condições de crescimento.

Do total de FTs foram selecionados 13, que são ativos em plantas cultivadas em solo pobre em nitrogênio, verificando que cinco deles propiciaram a que a planta absorvesse até 300% mais nitrogênio. Entre eles está um FT membro da família DREB (Dehydration Responsive Element Binding), denominado OsDREB1C, que regula a fotossíntese em arroz. A importância da descoberta é que esse fator tem sua expressão induzida por alta intensidade luminosa e baixo teor de nitrogênio.

Os cientistas inseriram uma cópia extra do gene OsDREB1C em uma variedade de arroz chamada Nipponbare. Para usar como comparador, eliminaram o gene em outras plantas de arroz da mesma variedade. No campo, as plantas sem o gene cresceram menos do que as plantas de controle, enquanto aquelas com cópias adicionais de OsDREB1C cresceram mais rápido e tinham raízes mais longas.

No campo, os resultados foram extraordinários, pois os rendimentos do arroz com cópia extra do gene foram 41 a 68% mais elevados que na sua ausência. Foi observado que a duração do ciclo foi mais curta, as plantas floresceram de 13 a 19 dias antes e acumularam maior biomassa no estágio de enchimento de grãos.

Trigo

Nos estudos preliminares com trigo, usando a mesma técnica descrita para o arroz, os aumentos de produtividade variaram de 17 a 22%. O grupo do Dr. Jiao Yuling editou um fator de transcrição (AP2/ERF - DUO1), verificando que o gene editado pode melhorar em, no mínimo 10%, o rendimento de trigo.

A produtividade depende do número de grãos da espiga, que depende do número de espiguetas. A espiga de trigo é composta de vários nós axiais, com uma espigueta na base de cada nó. Os pesquisadores usaram linhas mutantes de Brachypodium distachyon para investigar genes que regulam o número de espiguetas no trigo. No estudo, foi identificado um mutante de inserção de T-DNA denominado Bdduo1, que é responsável por gerar um número maior de espiguetas por espiga, o que significa maior produtividade

Usando a tecnologia de edição gênica denominada CRISPR/Cas9. Os pesquisadores obtiveram plantas que, na parte média inferior das espigas, exibiam 2-3 espiguetas em cada nó da raque. Esses genótipos produziram mais de 10% em relação aos convencionais.

Sorgo

Os grãos de sorgo são produzidos em cachos de flores que se desenvolvem em uma estrutura ramificada, no topo da planta, chamada panícula. Cada panícula produz centenas de flores. Existem dois tipos de flores e, geralmente, apenas uma delas, a espigueta séssil, é fértil. As espiguetas pediceladas não produzem sementes.

Uma simples modificação genética possibilita duplicar o número de grãos do sorgo. O estudo da equipe liderada pelo Dr. Yinping Jiao utilizou genótipos de sorgo de alto rendimento, submetidos à mutação induzida por uma substância química. Nas plantas modificadas por mutagênese, tanto espiguetas sésseis quanto pediceladas produziram sementes, duplicando o número de grãos de cada planta.

Pelo sequenciamento dos genomas das plantas de sorgo, convencionais e modificadas, foi descoberto que a mutação afetou um gene que regula a produção de um hormônio, o ácido jasmônico (AJ). As plantas mutantes produzem níveis mais baixos de AJ, durante o desenvolvimento da flor, sendo que o AJ impede que as espiguetas pediceladas produzam sementes. Com redução de 50% no teor de ácido jasmônico, a planta produz grãos em ambas as flores. Logo, basta modular a expressão do gene responsável pela produção de AJ para aumentar a produtividade do sorgo.

Ademais, algumas das plantas derivadas de mutantes, com alta produtividade, também aumentaram o teor de proteína do grão em 14-24%, o que melhora muito a qualidade nutricional do sorgo .

A mesma estratégia poderia ser usada para aumentar a produção de culturas assemelhadas. O conhecimento ajudará a orientar tanto o melhoramento clássico, quanto abordagens que aproveitam as tecnologias de edição de genoma.

Ciência e desenvolvimento

A História Universal, e de qualquer país individualmente, mostra que não há segredo para uma sociedade se desenvolver e enriquecer: são necessários investimentos polpudos e continuados em Educação e Ciência. É o que está ocorrendo, justamente agora, com China e Coreia do Sul que, em menos de 50 anos de investimento nessas áreas, saíram da pobreza estrutural para disputarem o protagonismo global em desenvolvimento social e econômico.

Os estudos com sorgo foram financiados com recursos da iniciativa privada e do poder público. Os estudos com trigo e arroz foram financiados com recursos públicos . As descobertas permitirão retornos de milhares de vezes sobre o valor investido.

Fica o mote para o Brasil galgar degraus em desenvolvimento social e econômico.


Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável.

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