Por Luís Roberto Pogetti
Não há rota ou solução universal adaptável às necessidades de todos os países para a mobilidade de baixo carbono. O Brasil precisa de uma estratégia própria de incentivo à transição energética, que valorize o seu portfólio diversificado, que vai além da eletrificação pura dos motores, para limpar ainda mais de forma rápida e eficiente a sua a matriz de transportes.
O mercado automotivo brasileiro é comercialmente relevante e vem há décadas sendo moldado por políticas de incentivo à eficiência dos motores, controle das emissões nos escapamentos e redução da intensidade de carbono dos combustíveis. Essas iniciativas devem ser pensadas de forma integrada, com valorização do papel que desempenham em favor do clima.
A inteligência e o protagonismo do Brasil no uso de biocombustíveis é referência mundial. Cada vez mais países se inspiram na experiência brasileira, em particular a América Latina e a Ásia. O País lidera ainda uma valiosa parceria chamada Plataforma para o Biofuturo, que o conecta a outros 21 países em esforços para a adoção de tecnologias sustentáveis de baixo carbono, com foco em soluções de base biológica.
Alguns desses países usam um mecanismo chamado “padrão de combustíveis de baixo carbono” (em inglês LCFS), cuja versão nacional é o Programa RenovaBio. Graças a essa política tem havido a redução da pegada de carbono no ciclo de vida dos biocombustíveis. O etanol brasileiro, por exemplo, neutraliza até 90% das suas emissões e, com ganhos de produtividade encaminhados, deve ser carbono zero brevemente.
O ciclo de vida, respeitado nos sobreditos mecanismos, considera as emissões de carbono desde a produção do combustível até o seu consumo, o que é reconhecido como emissões do “poço a roda”. Ampliando o conceito para as emissões da mobilidade, deve ser estendida a medição de emissões desde a produção dos bens envolvidos (fabricação e logística) na mobilidade, na propulsão (combustível, energia, etc.) dos veículos e no completo descarte ao fim da vida útil dos bens e insumos, o que é denominado como emissões do “berço ao túmulo”.
Portanto, em um primeiro estágio, é do “poço à roda” que se mede de maneira efetiva a emissão de gases de efeito estufa no setor de transportes, devendo evoluir inexoravelmente para medições de emissões do “berço ao túmulo”. Estas são as métricas ideais para se potencializar e valorizar a contribuição de uma economia na luta contra as mudanças climáticas, sendo uma lógica a ser reproduzida nos programas direcionados à indústria da mobilidade.
De nada adianta rodar com um carro 100% elétrico, se a carga é dada por gerador 100% à diesel e, ainda, desconsiderar o impacto ambiental do descarte de suas baterias ao final da vida útil. Por isso, é preciso somar a contribuição dos biocombustíveis aos esforços das montadoras na agenda da descarbonização dos transportes.
Nesse sentido, motores híbridos flex têm aderência em um mercado com ampla distribuição de etanol, que é o caso brasileiro. O biometano explorado do resíduo de produção de açúcar e etanol – perfeito exemplo de economia circular –, é uma alternativa já viável em um País que deve alcançar 5,9 milhões de Nm3 dia de capacidade instalada até 2029, segundo a Associação Brasileira de Biogás (ABiogás). A célula de hidrogênio é uma realidade desde o ano passado, com perspectivas positivas para aplicação de etanol no processo.
Adicionalmente, os biocombustíveis terão papel vital na descarbonização da mobilidade aérea e marítima, onde a eletrificação é mais complexa. O combustível de aviação sustentável (SAF) e o metanol verde são promissores e o Brasil com larga experiência em biocombustíveis tem plena capacidade para participar desses mercados.
Por todos estes pontos, é evidente a necessidade de uma política transversal, que aproveite as vocações naturais do País, reforçando a posição protagonista do Brasil na agenda de descarbonização global. Sendo assim, parece vital e merecedor de elogios o esforço feito pelo Governo para a criação do Programa Combustível do Futuro, que abarca marcos regulatórios dessa agenda de descarbonização.
Vemos com otimismo o encaminhamento pelo Governo desse importante projeto ao Congresso, onde certamente deverá ser bem recebido, pelo seu enorme potencial para garantir empregos, gerar renda, divisas e sustentar a competitividade do Brasil, usando o melhor custo-benefício para mitigação de gases de efeito estufa e neutralidade de emissões na mobilidade para a sociedade.
Luís Roberto Pogetti presidente do Conselho da Copersucar