Por: Bruno Minoru Takii
Parece tentadora a ideia de se proibir o uso dos ditos agrotóxicos pois, pela corrente popular e majoritária de pensamento, eles só teriam a função de “intoxicar o meio ambiente e o ser humano”. Porém, a história da humanidade é repleta de exemplos de como soluções populistas encampadas pelo Estado podem ter efeitos colaterais muito piores do que os supostos males que pretendiam combater.
Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado do Ceará pode proibir, de forma irrestrita e em todo o seu território, a utilização de aeronaves para a pulverização de defensivos agrícolas. No voto aprovado por unanimidade de seus pares na ADI 6137, a ministra Carmen Lúcia aprovou a tese de que tanto Estados quanto Municípios detêm a prerrogativa de legislar sobre questões de meio ambiente, desde que as suas normas sejam complementares ou mais restritivas que as editadas em âmbito federal, especialmente em relação ao que a Corte insistiu em chamar por “agrotóxico”.
Para suportar essa decisão, a ministra se apoiou em diversas normas e convenções internacionais, inclusive as produzidas pelo Parlamento Europeu, além de “trabalhos científicos” produzidos por militantes da causa ambiental, tal como o da pesquisadora Raquel Maria Rigotto, para quem “é preciso barrar a expansão do ecocídio e do genocídio cultural em curso, conquistando territórios livres do agronegócio”, conforme artigo de sua autoria publicado em 24/05/2022 pelo periódico francês Le Monde Diplomatique.
Por fim, com base nos princípios difusos da dignidade humana, valorização do trabalho humano, livre concorrência, função social da propriedade, defesa do consumidor, meio ambiente e pleno emprego, a ministra rejeitou a tese de que a proibição violava o princípio da livre iniciativa. Esqueceu-se, porém, que a retirada de aeronaves (aviões e drones) dos campos, quando possível (pois, em muitos dos casos, essa possibilidade inexiste), deve ser necessariamente substituída por dezenas de trabalhadores no solo que, estes sim, estarão expostos a níveis consideráveis de contaminantes.
Outro julgamento que merece holofotes é a ADI 5553, onde a constitucionalidade de benefícios fiscais do ICMS (isenção e redução de base de cálculo) e do IPI (alíquota zero) sobre a comercialização de defensivos foi questionada pelo PSOL, tendo como relator do caso o ministro Edson Fachin.
Em seu voto, o ministro Fachin acolheu a tese apresentada pelo partido político, sob os argumentos de que o poder público não pode incentivar o consumo de uma mercadoria que traz risco à saúde humana e de desequilíbrio do meio ambiente. Ainda, enfatizou que ao Estado não é autorizado fomentar uma forma de produção (agricultura tradicional) em detrimento de outras (agroecologia e agricultura orgânica).
Quando confrontado com a questão do necessário repasse dos custos tributários adicionais ao consumidor final, o ministro disse que não há garantias de que o benefício fiscal hoje tenha implicação direta sobre os preços dos alimentos. Evidentemente, a visão do ministro é equivocada, porque todo e qualquer custo agregado à cadeia produtiva tende a ser repassado à sociedade, o que ocorre quase que de forma obrigatória quando o produto em questão é indispensável à sobrevivência humana.
Diversamente da visão deturpada apresentada nesses dois julgados do STF, a FAO (agência da ONU dedicada à Alimentação e à Agricultura) reconhece que, “quando aplicados com responsabilidade, os pesticidas são um insumo agrícola chave que podem auxiliar a proteger sementes e salvaguardar plantações de ervas daninhas, insetos, bactérias, fungos e roedores”, sendo indispensáveis, portanto, à manutenção da segurança alimentar dos mais de 8 bilhões de seres humanos que ocupam a superfície da Terra.
Sem essa tecnologia, todas as forças da natureza que, até meados do século passado, dizimavam plantações e, por consequência, provocavam a fome em uma população infinitamente menor do que a que temos hoje, podem vir à tona, tal como no experimento social mal sucedido ocorrido recentemente no Sri Lanka (04/2021 a 07/2022), onde até os fertilizantes sintéticos foram proibidos para se fazer cumprir com a utopia da produção orgânica, tendo como resultado óbvio uma grave crise humanitária que levou à fuga e à renúncia do então presidente, Gotabaya Rajapaksa.
Enfim, até que a humanidade consiga desenvolver tecnologias tão ou mais eficientes que suplantem o uso de agroquímicos nas lavouras para a eliminação de pragas, é simplesmente impossível se cogitar em uma proibição que não tenha efeitos colaterais catastróficos e quase imediatos, advindos da drástica redução da oferta de produtos agropecuários.
Até que esse cenário utópico chegue, cabem ao Estado apenas as tarefas de não contaminar os preços de alimentos com impostos, de controlar o mau uso dos defensivos, bem como a de reduzir as burocracias para a aprovação das novas moléculas constantemente desenvolvidas pela indústria agroquímica, que tendem a ser mais eficientes e menos nocivas ao meio ambiente e à saúde humana.
*Bruno Minoru Takii é sócio da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados