Por Andreas Vallgren
Enquanto um ciclone extratropical assolava a costa sul do Brasil, trazendo consigo tempestades, ventanias e consequências devastadoras, outro fenômeno climático está prestes a impactar o país: o El Niño. Depois de um ano de La Niña em 2022, com suas chuvas excessivas e períodos de seca imprevisíveis, as condições climáticas estão à beira de uma grande mudança. Andreas Vallgren, especialista da Ignitia, nos traz insights sobre como o El Niño afeta a agricultura e também as expectativas para o Brasil em 2023.
Nos últimos anos, o fenômeno La Niña tem sido o protagonista das anomalias climáticas no Brasil. Em áreas que sofreram com as intensas chuvas, os solos ficaram encharcados, dificultando o plantio e a colheita. Isso levou ao apodrecimento dos grãos e à redução da qualidade dos produtos agrícolas. Além disso, os alagamentos danificaram equipamentos, destruíram estradas rurais e causaram perdas de infraestrutura nas propriedades.
Por outro lado, em regiões afetadas pela seca, as plantações enfrentaram dificuldades para obter água suficiente, resultando em estresse hídrico para as plantas. Isso levou a uma redução na produtividade, tamanho e qualidade dos grãos. Os agricultores também precisaram lidar com o aumento dos custos de irrigação e a escassez de alimentos para o gado, afetando a pecuária.
Esses prejuízos na produção agrícola causados pelo La Niña têm impacto direto na economia do país, afetando não apenas os agricultores, mas toda a cadeia produtiva e os consumidores, que podem enfrentar aumentos nos preços dos alimentos devido à redução da oferta.
As temperaturas frias da superfície do mar, características da La Niña, estão ficando para trás. O aquecimento está ocorrendo de forma excepcionalmente rápida e já ultrapassamos o limite de temperatura que define um El Niño. Embora os ventos alísios ainda não demonstrem um comportamento típico desse fenômeno, a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) já declarou oficialmente a chegada do El Niño, enquanto a anomalia de calor continua crescendo sem parar.
Essa declaração precoce desperta preocupações sobre a possibilidade de um El Niño forte. Os impactos desse fenômeno são sentidos globalmente, com mudanças nos padrões climáticos em várias regiões do mundo, frequentemente resultando em eventos climáticos extremos que afetam a produtividade agrícola e os ecossistemas, mesmo em áreas distantes do Pacífico tropical.
Um aspecto crítico é o aumento das chances de a temperatura global anual ultrapassar +1,5°C acima dos níveis pré-industriais nos próximos anos, algo que não ocorre desde o fim da última Era do Gelo, há cerca de 12.000 anos. Esse valor é significativo, uma vez que o Acordo de Paris busca limitar o aquecimento do planeta a +1,5°C a longo prazo.
Mas o que esperar especificamente para o Brasil? Há expectativa de chuvas acima da média nas áreas ao sul do país, que podem impulsionar a produtividade agrícola. No entanto, há riscos envolvidos, uma vez que os solos podem ficar saturados e propensos a inundações com as anomalias de chuva prolongada.
Grande parte do centro e norte do Brasil provavelmente sofrerão escassez de chuvas e períodos de seca erráticos, que podem levar a condições de seca, como, por exemplo, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e regiões ao norte. Portanto, espera-se uma redução na produtividade agrícola nessas áreas para culturas como milho e feijão, pois em alguns anos de El Niño houve quedas de até 50% no nordeste do Brasil, por exemplo.
A imagem abaixo mostra a anomalia esperada de precipitação (diferença da quantidade normal) durante a primavera brasileira, de setembro a novembro, com base na previsão sazonal do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF).
Nela, é possível observar que a anomalia de acumulação de precipitação de três meses deve ser superior a 150 mm em partes do Rio Grande do Sul (azul escuro), enquanto são esperadas anomalias secas em partes central e norte do Brasil (vermelho).
O que fazer?
Estamos no início do ciclo do El Niño e ainda não está claro quão forte ele será, o que significa que os detalhes podem mudar à medida em que nos aproximamos da primavera. Por isso, é importante continuar acompanhando as previsões meteorológicas e estar preparado para condições climáticas incomuns pelo restante deste ano e no próximo, enquanto os detalhes se tornam mais confiáveis à medida que nos aproximamos da próxima estação chuvosa.
Aldreas Vallgren é PhD e Chief Science Officer da ignitia.