Por Ivo O. Pitanguy
Atualmente, há duas formas de investir em usinas de energias renováveis que são bem consolidadas pelo mercado de capitais no Brasil. Com o uso de tecnologia, está se desenvolvendo uma terceira, que tem o potencial de provocar uma disrupção no setor e se consolidar como uma nova classe de ativos.
A primeira forma, que poderíamos chamar de "atacadão da energia'', consiste na construção de usinas de grande porte destinadas ao mercado livre, que representa 30% do market share do consumo total de energia no país. A venda da produção é firmada mediante contratos robustos, de longo prazo - que podem durar mais de uma década - com grandes consumidores. São, portanto, projetos facilmente financiáveis por conta do perfil de risco reduzido.
A segunda, que poderíamos chamar de "atacadinho de energia", contempla as usinas, por vezes arrendadas, que compõem o modelo de autoconsumo remoto, destinado a um único imóvel ou vários imóveis que pertençam ao mesmo CNPJ (por exemplo, agências de um mesmo banco). Aqui, estamos falando da possibilidade de atender a demanda dos outros 70% do market share (aproximadamente 110 milhões de consumidores), o chamado mercado cativo, composto pelos clientes que são servidos pelas distribuidoras de energia.
Acontece que do mercado cativo, além do comércio (pessoa jurídica) também faz parte o consumidor residencial (pessoa física), sendo que ambos pagam o maior preço pela energia elétrica. E é com foco nesse preço alto de energia e enorme mercado endereçável, ainda pouco explorado, que está crescendo o apetite dos investidores. Isso porque, graças à evolução da legislação, a geração de energia compartilhada já é uma realidade no país,apesar de representar menos de 1% do total de geração distribuída.
Nesse modelo, os produtores de energia renovável podem compartilhar a produção gerada por suas fazendas solares não apenas com um único CNPJ, mas para milhares de CNPJs e CPFs distintos que compartilham dessa geração mais limpa e abatem os créditos do seu consumo, gerando uma economia na conta de energia sem a necessidade de investir em placas solares, por exemplo.
Mas não seria um risco de crédito muito alto? Seria, se não fossem as soluções digitais que vêm sendo desenvolvidas para minimizar esses riscos. Tecnologias que usam modelos de machine learning e inteligência artificial na qualificação, alocação e gestão do portfólio de usuários, além da otimização do compartilhamento das usinas, reduzem significativamente o risco do investimento e mantêm uma maior rentabilidade comparada às outras opções de investimento em renováveis. Além disso, startups de tecnologia são capazes de simplificar e digitalizar a experiência do usuário possibilitando escalabilidade e mantendo o usuário fidelizado e, por consequência, gerando um fluxo de caixa previsível e perene para o investidor (a vida útil das usinas é, em média, de 25 anos).
Costumo comparar ao benefício que as plataformas de delivery representam para os restaurantes: é cada vez mais comum que os estabelecimentos dependam de um bom serviço de entrega terceirizado para ganharem capilaridade e entregar uma boa experiência ao usuário a fim de alcançarem muito mais clientes do que servindo refeições apenas no salão ou - mais crítico - tendo que desenvolver e operar a sua própria plataforma de gestão de venda e delivery.
Com tecnologia acoplada, o modelo de geração compartilhada começa a ser algo escalável, mais rentável e com mecanismos de redução do risco varejo. Estamos vendo, portanto, o nascimento da democratização real do acesso e do investimento em energias renováveis. E os investidores que já notaram isso estão tendo uma ótima oportunidade de sair na frente e aproveitar o fomento aos negócios desse setor.
*Ivo O. Pitanguy é sócio fundador da climate tech Nextron Energia