Por Renata Camargo
Nos últimos meses, ouvimos muito sobre os potenciais impactos que conflitos internacionais podem trazer ao agronegócio brasileiro. Para além das flutuações dos preços das commodities no mercado internacional, muito se falou sobre os riscos de desabastecimento de fertilizantes e demais insumos essenciais ao manejo do solo agrícola.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil importa cerca de 80% dos fertilizantes consumidos. Apesar desse aparente desconforto comercial, é certo que o agronegócio brasileiro tem buscado alternativas em relação à sua dependência de fertilizantes, seja por meio do aprimoramento no manejo e na estocagem, seja por meio do reaproveitamento de subprodutos.
Com o setor sucroenergético, não seria diferente. Mesmo com eventuais restrições à importação de potássio (o “K” do “NPK”), o setor pode se considerar privilegiado, pois as usinas de cana-de-açúcar possuem uma verdadeira fábrica de potássio em seu próprio quintal, qual seja, a vinhaça. Esta é um dos principais subprodutos da indústria canavieira, sendo resultado do processo de fabricação de etanol. Na prática, a cada 1 litro de etanol, são gerados aproximadamente 12 litros de vinhaça. Esse incrível volume de vinhaça corresponde a uma solução riquíssima em minerais, matéria orgânica e água.
O uso de vinhaça para fertirrigação (fertilização + irrigação) do solo é amplamente adotado pelo setor (aproximadamente 40% de toda a área cultivada de cana-de-açúcar é fertirrigada com vinhaça), sendo reconhecido pelos órgãos ambientais como um excelente exemplo de economia circular e bioeconomia.
Não se trata apenas do reaproveitamento de um resíduo industrial, mas de um modelo de adubação orgânica com potássio, cálcio, magnésio, fósforo, nitrogênio e enxofre, que garante eficiência ambiental e econômica ao manejo do solo pelo setor produtivo.
Além do já mencionado aproveitamento agronômico, a vinhaça também tem demonstrado um enorme potencial para o seu aproveitamento energético. Sendo composta de uma variação de 93% a 97% de água e de 7% a 3% de sólidos, dos quais aproximadamente 75% são compostos de matéria orgânica biodegradável e 25% são formados por minerais, a vinhaça pode ser uma importante fonte para a produção de biogás, biometano e bioenergia.
O aproveitamento energético da vinhaça dá-se por meio do processo de biodigestão da matéria orgânica presente na sua composição. Nessa matriz, a produção energética ocorre sem que exista qualquer perda do potencial fertilizante da vinhaça, ou seja, trata-se de um modelo de biorrefinaria, com aproveitamento de resíduos, substituição de insumos fósseis e químicos, em associação à produção de água limpa ao final do processo.
O aproveitamento agronômico e energético da vinhaça é apenas mais um exemplo do quanto a cadeia produtiva sucroenergética tem como um fundamento básico a sustentabilidade.
*Renata Camargo é coordenadora de Sustentabilidade da União
da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA). Artigo publicado
originalmente na Revista Agroanalysis.