Importância da Rússia pela produção e exportação da commodity é um dos principais motivos para o impacto nos preços do barril
O preço do barril de petróleo fechou aos US$ 110 nesta quinta-feira (3/4) no mercado britânico, depois de chegar a encostar nos US$ 120 durante a sessão. O patamar atual não era registrado desde 2014 e foi retomado a partir da invasão russa à Ucrânia.
A escalada do preço ocorre conforme crescem as preocupações de que as sanções, tendo a Rússia como alvo, prejudiquem o fornecimento de energia para o restante do mundo.
Não por acaso, o recorde anterior, em 2014, ocorreu durante um episódio geopolítico envolvendo o país eslavo. Foi o ano da anexação da Crimeia, uma península da Ucrânia por parte da Rússia. O movimento do presidente russo, Vladimir Putin, fez com que o valor do barril alcançasse o pico no dia 30 de outubro, quando foi cotado em US$ 87, equivalente a US$ 112 com a correção dos valores atuais, segundo o especialista da Valor Investimentos, Davi Lelis.
No contexto atual, mesmo antes da invasão da Ucrânia, a oferta mundial de petróleo já não conseguia acompanhar a demanda na retomada da atividade econômica, à medida que as medidas restritivas contra a Covid-19 eram flexibilizadas.
A preocupação com os preços da commodity se intensifica dada a importância da produção russa. Nesse sentido, alguns aspectos podem explicar melhor os motivos pelos quais uma guerra envolvendo o país geraram o aumento no preço da commodity.
Por que uma guerra causa o aumento de preços?
Conflitos envolvendo nações com importância no mercado mundial de petróleo, como é o caso da Rússia e, sendo ela o alvo de grandes sanções, geram apreensão. Isso ocorre uma vez que Putin pode retalhar o Ocidente ao cortar ou diminuir a oferta do combustível.
Sendo o petróleo uma commodity, o preço está atrelado às leis globais de oferta e demanda. Dessa maneira, ações que prejudiquem a oferta enquanto existe uma forte demanda ou, até mesmo, a própria demanda cotidiana, podem fazer com que os preços aumentem.
Especialistas no mercado de petróleo apontam que as sanções anunciadas contra a Rússia criaram uma aversão que afetou a logística e a compra do petróleo do país. Dessa forma, as refinarias se recusam a comprar o produto, enquanto os bancos se recusam a financiar embarques de commodities. O risco de ataques a embarcações e tripulações que navegam pelo Mar Negro também acaba afastando a possibilidade de negócio.
"As medidas ainda não atingiram diretamente a produção e a exportação do petróleo, mas elas são formas de sufocar a economia russa. Logo, Putin pode utilizar a importância de seu país para a oferta de petróleo e retaliar o Ocidente segurando o produto", diz Davi Lelis, da Valor Investimentos.
Ainda nesta semana, o banco JPMorgan fez um alerta. Segundo a instituição, caso as exportações da Rússia fossem cortadas pela metade, o petróleo subiria para US$ 150 o barril. No entanto, um corte feito pelo próprio governo russo poderia também prejudicar ainda mais o país, já que o petróleo e o gás natural representaram cerca de 43%, em média, da receita anual do governo russo entre 2011 e 2020.
Rússia, segundo maior produtor de petróleo
A Rússia é um dos grandes responsáveis pelo fornecimento de petróleo para o mundo e, principalmente, para a própria Europa. O país é o segundo maior produtor junto com a Arábia Saudita (atrás somente dos Estados Unidos), ou seja, uma interrupção na oferta pode afetar de maneira significativa os preços. Por esse motivo, os Estados Unidos e seus aliados têm evitado sansões que afetem diretamente as commodities russas, incluindo o combustível fóssil.
Para o pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão, a relevância da Rússia nas exportações do petróleo e demais commodities hoje é muito maior do que nos anos de 1990. Ou seja, medidas que paralisem direta ou indiretamente as exportações do combustível podem gerar distorções de preços pelo mundo.
Leão ainda aponta para os investimentos em infraestrutura energética que a Rússia tem feito com a China nos últimos quatro anos podem ser uma opção para "escoar a produção" russa, evitando o direcionamento aos europeus, em mais uma forma de retaliar os países que sancionam a Rússia e pressionam o mercado global.
Mudança na matriz energética europeia
Outro ponto é a dependência dos países europeus da energia e do petróleo russo que se intensificou nos últimos anos. A gradual mudança da matriz energética das nações da União Europeia (UE) para a energia renovável fez com que os investimentos na chamada "velha economia", a dos combustíveis fosseis, caíssem bastante. Ou seja, em momentos de alta demanda de energia, mas com uma nova matriz que não é suficiente, os europeus recorrem à Rússia para suprimir a necessidade.
O economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Barros, explica que "com menos investimentos nessa ?´velha?´ agenda energética, temos uma oferta menor e uma demanda maior, gerando o aumento dos preços".
A Alemanha é um exemplo citado como uma nação que abriu mão do desenvolvimento de energia nuclear e, ao longo dos anos, tem comprado mais a energia fornecida pelos russos. Os especialistas consideram que Putin "orquestrou bem" a dependência energética de seu país por parte das demais nações da Europa.
Estoques emergenciais acionados
O aumento de preços do barril fez com que os Estados Unidos e outros grandes países consumidores de petróleo anunciassem a liberação de 60 milhões de barris de petróleo de seus estoques de emergência na tentativa de aliviar o aumento dos preços. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep ) também se movimentou e concordou com uma adição na produção do óleo em abril, de 400 mil barris por dia (bpd).
Para o pesquisador do Ineep, Rodrigo Leão, o uso dos estoques não deve ter grande impacto. "A ação pode servir em um curtíssimo prazo de um ou dois dias, dado que os 60 milhões de barris não representam nem mesmo a demanda completa de um dia de consumo no mundo", avalia.
O especialista Davi Lelis concorda que a medida consegue conter apenas em um curto prazo a escalada dos preços. Lelis ainda lembra que isso pode também fortalecer Putin. "É uma medida que gera um efeito, mas é muito temporário, já que os países não conseguem queimar esses estoques por muito tempo, eles são limitados. Além disso, quando Putin observar que os países não estão tendo mais estes estoques, pode vir ainda mais forte para negociar o petróleo russo, visto que as opções para as demais nações serão cada vez menores ou mais caras", afirmou.
Perspectivas para os preços
Para os especialistas, os preços devem continuar subindo enquanto o conflito durar. "Quanto mais tempo passar, sem uma resolução para o conflito e com os países utilizando suas reservas, sem nenhuma ferramenta ou mecanismo para fazer o controle artificialmente, eles vão continuar subindo", afirmou Lelis.
Com este cenário, a pressão inflacionária que já vinha impactando os preços, continua subindo e, por sua vez, forçando os bancos centrais do mundo a aumentar a taxa de juros para conter a elevação dos preços.
Os especialistas alertam que, mesmo com uma eventual resolução e fim das sanções, a Rússia não será mais como era antes na esfera diplomática, com dificuldades em negociações que devem permanecer limitadas em um médio prazo.
Segundo o economista Gabriel Barros, no Brasil, o Banco Central (BC) tem pouca margem de manobra para combater choques de oferta como esse. "Mesmo com o aumento da taxa Selic, o preço do barril não seria afetado", diz.
Para o economista, a duração do conflito deve ditar a intensidade do aumento no preço da commodity.
Fonte: CNN Brasil