Estudo recente aponta, no entanto, que para atingir metas de descarbonização em veículos comerciais, o Brasil terá que recorrer a três ou quatro tipos de energia
Em geral, os planos de redução dos gases de efeito estufa dos países desenvolvidos indicam a preferência por veículos elétricos. O governo brasileiro entende, no entanto, que cada país deve fazer a opção conforme seu potencial. Para o diretor de biocombustíveis da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, do Ministério de Minas e Energia, Pietro Mendes, embora a eletrificação da mobilidade seja algo irreversível, no Brasil, os biocombustíveis terão uma participação importante no processo.
“Para banir os motores a combustão, os países do hemisfério Norte estão dependendo da concessão de fortes incentivos. A eletrificação vai entrar no Brasil, mas sem incentivos. Não vamos banir os motores a combustão porque temos os biocombustíveis como solução”, destaca.
Quase um ano depois da criação do programa Combustível do futuro, o ministério tenta apressar conclusões dos comitês técnicos que discutem fontes alternativas de energia. Segundo Mendes, a ideia é desenvolver o quanto antes a estrutura legal e regulatória para substituir combustíveis fósseis e, assim, dar a sinalização correta para a indústria de veículos leves e de carga e também para o consumidor.
Criados em julho de 2021, os comitês técnicos, que se reúnem periodicamente, estabeleceram prazo de um ano para começar a esboçar marcos regulatórios. Mendes considera, no entanto, possível, antecipar as primeiras conclusões para março. A ideia é agilizar a elaboração de projetos que dependem de aprovação no Congresso Nacional antes que o clima de campanha eleitoral esfrie os trabalhos do Legislativo. “Podemos avançar nos temas mais maduros”, destaca.
O diretor aponta, como uma das iniciativas mais avançadas, o esforço do ministério para inserir o RenovaBio na próxima etapa do programa automotivo Rota 2030. Em seu terceiro ano de operação, o RenovaBio é um projeto de descarbonização por meio de biocombustíveis. riado no fim de 2018, o Rota 2030 é um programa federal que busca, por meio de incentivos fiscais, apoiar o desenvolvimento tecnológico e inovação da indústria automotiva em troca de desenvolvimento de veículos mais seguros, econômicos e menos poluentes.
O RenovaBio funciona por meio dos chamados CBIOS (créditos de descarbonização), instrumentos financeiros negociados pelas empresas que buscam reduzir emissões de gases de efeito estufa. Cada CBIO corresponde a uma tonelada de dióxido de carbono que deixa de ir para a atmosfera. Em 2021, a utilização de biocombustíveis evitou 24,4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, o que movimentou R$ 1,17 bilhão. Segundo Mendes, a expectativa é superar 36 milhões de toneladas em 2022.
No segmento de veículos leves, o governo brasileiro aprova o movimento de parte da indústria que defende aproveitar a especialização do país em etanol para produzir carros híbridos movidos com o derivado da cana-de-açúcar. Mendes destaca que nem sempre o carro elétrico é um veículo de emissão zero. “O cálculo deve ser feito não apenas levando em conta o que sai do escapamento, mas do poço à roda”, afirma, referendando, assim, posições defendidas por empresas como Volkswagen, que pretende fazer do Brasil um centro de desenvolvimento de híbridos a etanol, ou da Toyota, que já produz esse tipo de veículo no país.
Apesar da sintonia destacada pelo representante do ministério, representantes da indústria têm alertado para a necessidade de o poder público apontar com clareza caminhos para a substituição de combustíveis fósseis no Brasil. Na semana passada, um estudo cujas conclusões foram antecipadas pelo Valor indicou que para atingir metas globais de descarbonização em veículos comerciais o Brasil terá que recorrer a três ou quatro tipos de energia. Todos dependerão, porém, do amparo de políticas públicas.
Conduzido pela Bain & Company, consultoria global, o trabalho é resultado de parceria entre a Rede Brasil do Pacto Global, das Nações Unidas, e a Scania. Tem, ainda, apoio da BRF, Ipiranga e Unidas. A indústria de transportes está sob pressão por ser uma das mais poluentes do mundo. Emite 14% de todo o dióxido de carbono, segundo o painel intergovernamental sobre mudanças climáticas (IPCC).
Segundo Mendes, o governo tem estado em contato com a iniciativa provada. Além dos comitês que envolvem técnicos do governo, diz, o Ministério de Minas e Energia tem feito reuniões com montadoras como Stellantis, Volks, Nissan e Toyota, e também com associações como Anfavea, que representa as montadoras, e Unica, das usinas de açúcar.
O diretor do ministério defende o lado do governo ao dizer, ainda, que já existem “políticas públicas concretas”, que, além do RenovaBio e do programa Combustível do futuro, abrangem, também, a mistura de 10% de biodiesel ao diesel.
Além disso, destaca o diretor do ministério, o país tem o potencial de transmitir “a vocação brasileira em bioenergia” a outras nações capazes de replicar essa alternativa. “Estamos em contato com a Índia, onde o governo já aprovou a mistura de 10% de etanol na gasolina e tem como meta chegar a 20%”, destaca.
Segundo Mendes, estão, ainda, em estudo, a implementação de corredores verdes de biometano e o desenvolvimento de células a combustível. O Ministério de Minas e Energia também pretende agilizar, diz, um plano para o uso do bioquerosene de aviação.
“Temos desenvolvido um conjunto de iniciativas para promover a descarbonização de veículos e aumentar a disponibilidade de soluções de mobilidade, elaborando marcos regulatórios e políticas públicas para viabilizar o atendimento dos compromissos ambientais assumidos”, destaca Mendes.
Megacana
Fonte: Valor Econômico