Por: Tiago Piassum
Neste ano, os Fiagros (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais) estão passando por mudanças tributárias e regulatórias. E os impactos mais significativos devem se originar nas mudanças relacionadas a sua regulação. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) iniciou em 2023 um processo de consulta pública para debater uma norma específica para o Fiagro. As sugestões foram recebidas pela CVM e a ideia é estabelecer parâmetros regulatórios definitivos para os Fiagros.
O Fiagro é um instrumento financeiro que tem como objetivo captar recursos de investidores para aplicação em ativos do agronegócio, seja em propriedades rurais ou em atividades do setor. Os investimentos envolvem uma variedade de ativos, tais como direitos creditórios, imóveis, valores mobiliários e participações em empresas, desde que, claro, estejam relacionados à cadeia produtiva agroindustrial.
Algumas mudanças relevantes em relação aos Fiagros já podem ser antecipadas. A primeira será a possibilidade de se constituir fundos multimercados. Os Fiagros poderão ser equiparados aos fundos multimercado, desde que mantenham uma exposição equilibrada nos três fatores de risco passíveis de investimento (imobiliário, direitos creditórios e participações), limitando para cada um deles a um terço do patrimônio líquido. Nesse ponto, ainda pairam algumas dúvidas, pois os diferentes tipos de Fiagro possuem regulamentos distintos, e ainda não se sabe qual deles irá balizar esses fundos multimercados.
Uma outra novidade será a possibilidade de compra de Cédulas de Produto Rural (CPRs) financeiras e físicas por parte dos fundos. Isso permitiria ao gestor do fundo, por exemplo, receber mercadorias, inclusive trabalhar com produtos armazenados e, até mesmo, fomentar a emissão, por armazéns gerais, de Certificado de Depósito Agropecuário/Warrant Agropecuário (CDA/WA). Essa mudança traz um potencial enorme para o crescimento dos Fiagros, uma vez que existe um estoque de aproximadamente R$ 300 bilhões de CPRs emitidas. É claro que em um primeiro momento se espera que as negociações se concentrem em CPRs financeiras, pois a precificação e o manejo de produtos físicos que são utilizados como garantias traria uma complexidade muito maior para a gestão dos fundos.
Outro avanço será a possibilidade de os Fiagros adquirirem créditos de carbono nos mercados compulsório e voluntário. No caso do mercado voluntário, será possível a aquisição de CPRs Verdes de, por exemplo, recomposição de matas nativas por produtores rurais. Isso permitirá a investidores residentes e não residentes compensarem suas emissões por meio da aquisição de cotas dos Fiagros. Portanto, além de atender aos interesses de investidores preocupados com um desenvolvimento sustentável, os “Fiagros verdes” permitirão alavancar projetos baseados nos conceitos ESG dos mais variados tipos. Criando assim os incentivos necessários para que o agronegócio brasileiro fique cada vez mais alinhado com as questões ambientais.
Todavia, é importante salientar que, inicialmente, a aquisição de créditos desse tipo por parte dos fundos não será facilitada. O motivo é que a aquisição só poderá ser efetuada por meio de um mercado de bolsa ou balcão organizado e, atualmente, somente o crédito de descarbonização (CBio) cumpre esse requisito no Brasil. Entretanto, o mercado de créditos de carbono também está em um processo de desenvolvimento e, a medida que este mercado se solidificar, novas alternativas para os fundos devem surgir.
Existem boas razões para acreditar que o número de Fiagros e seu patrimônio devem continuar crescendo em 2024 e pelos próximos anos. Em primeiro lugar porque o seu patrimônio ainda está distante dos Fundos Imobiliários (FIIs). Embora o agronegócio tenha uma participação de aproximadamente 25% do PIB brasileiro e o mercado imobiliário cerca de 10%, o patrimônio dos FIIs é atualmente 13,5 vezes o patrimônio dos Fiagros. Em segundo lugar, porque os Fiagros possuem um grande potencial de mercado, pois ainda existem muitos papéis (CRAS, CDCAs, CPRs, entre outros) capazes de oferecer retornos significativos com um baixo risco. Inclusive o volume desses papéis também deve crescer considerando as necessidades de crédito privado por parte de toda a cadeia de produção do agronegócio brasileiro, que cada vez mais busca alternativas ao racionamento de crédito público e ao crédito fornecido pelo sistema financeiro.
Já em relação às mudanças no âmbito da tributação, houve uma pequena alteração a partir de janeiro devido à Lei 14.754, que ficou conhecida como Lei de taxação dos “super-ricos”. Um título que certamente não faz jus pelo menos aos investidores dos Fiagros, uma vez que, são fundos muito democráticos. Afinal, existem mais de 700 mil investidores cadastrados na B3 e se trata de fundos que podem ser considerados “baratos”, pois muitos deles possuem cotas que podem ser obtidas por valores inferiores a R$ 10. Independentemente desse debate, mesmo após a mudança, os Fiagros e FIIs seguem com a isenção de Imposto de Renda para os rendimentos de pessoas físicas se o fundo estiver sendo negociado no mercado de balcão e contar com, no mínimo, 100 cotistas na data da distribuição de rendimentos. Anteriormente, esse número era de 50 cotistas.
No entanto, essa mudança não deve gerar grandes impactos, pois embora essas exigências prejudiquem a constituição de novos fundos, os números mais recentes mostram que todos os Fiagros disponíveis na B3 são negociados mensalmente e praticamente todos conseguem atender ao número mínimo de cotistas necessários para a isenção poucos meses após o seu lançamento. Atualmente, apenas três dos 34 fundos negociados na B3 não possuem 100 cotistas, mas se trata de fundos que foram lançados há poucos meses.
Tiago Piassum é founder da Rivool Finance*
Professor associado da Universidade Federal do Rio Grande e head of research da Rivool Finance**