Por: João Guilherme Sabino Ometto
O cenário é uma pequena e produtiva propriedade agrícola, localizada em área remota do interior brasileiro. Carlinhos, menino inteligente, estudioso e transbordante de sonhos para o futuro, não conseguiu acompanhar as aulas online durante a pandemia, não pode pesquisar bibliotecas digitais ou interagir virtualmente com professores e a escola, pois não tem internet em casa...
O personagem é de ficção, mas expressa a mais dura e tangível realidade revelada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira): 40% das escolas do campo contaram apenas com apostilas físicas para seus alunos no período em que ficaram fechadas. A situação, danosa ao aprendizado, prejudicou mais de dois milhões de estudantes, que seguem defasados no retorno às aulas presenciais.
O drama vivido por essas crianças e adolescentes tem a mesma causa que impede seus pais de utilizarem tecnologias hoje muito importantes para a agropecuária. O acesso à internet no meio rural é uma séria deficiência do setor, conforme mostra o Censo Agropecuário (IBGE) de 2017. Mais de 70% das propriedades não possuíam conexão.
A situação, infelizmente, permanece praticamente inalterada, como é possível avaliar nos dados gerais revelados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação: nos meses anteriores à eclosão da Covid-19 no Brasil, 2,64 milhões de famílias estavam excluídas da Web e 39,8 milhões de brasileiros de 10 anos ou mais de idade não usavam a rede.
O problema precisa ser resolvido com urgência, a começar pelo fato de que a exclusão digital impede as pessoas de contarem com informação, conhecimento, educação a distância, e-commerce e numerosos serviços do Estado e das empresas. Não podemos discriminar uma parcela de nossa população, majoritariamente representada pelos habitantes do campo, no contexto de um direito exercido por todos os demais habitantes. Tal estratificação não é ilegal, embora se possa cogitar que a inclusão seja crucial para a educação, esta sim um dever universal do Estado, segundo nossa Constituição. De todo modo, essas diferenças ferem os preceitos éticos e filosóficos da democracia. Lembro-me de que há décadas já nos preocupávamos em alfabetizar nossos colaboradores rurais e, em uma cerimônia de formatura, qual não foi a surpresa quando até o administrador da fazenda recebeu seu diploma.
Quando lançamos um olhar na produção agropecuária, os gargalos das telecomunicações têm impacto direto na produtividade e no grau de sustentabilidade do setor. Com o advento do 5G no Brasil, que vem sendo implantado paulatinamente Estados, devendo estar presente em todo o País proximamente, os ganhos para o meio rural serão muito grandes. Drones terão operações ainda mais amplas e eficazes, otimizando a agricultura de precisão. Monitorarão ainda mais as culturas e identificarão, por meio da inteligência artificial, plantas infectadas. Assim, é possível aplicar de modo localizado os defensivos agrícolas, o que proporciona economia e ganhos ambientais.
A operação remota de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas autônomos, com aumento do horário de trabalho, é outro fator que agregará produtividade. Os próprios equipamentos farão o reconhecimento de trajetos, com sensores capazes de coletar dados como umidade e temperatura, alinhados em tempo real à previsão do tempo. O 5G também permite a conexão de sensores ao solo, às plantas e aos animais e controle remoto inteligente da irrigação. Todos os dispositivos estarão interligados à nova rede de alta velocidade, operando por meio da chamada internet das coisas.
Dentro das porteiras, teremos aplicativos para a gestão empresarial da fazenda, bem como tecnologias de monitoramento agronômico da lavoura, genética de animais e genômica (variedades de novas de plantas). No plano externo, será possível a rastreabilidade de toda a cadeia, como a da produção de gado e soja, por exemplo, logística e destino dos produtos comercializados.
A agropecuária, com certeza, é um dos setores nos quais o 5G terá maior efeito disruptivo e transformador. Todas essas possibilidades não são mais ficção científica. Entretanto, precisam fazer parte da vida real dos produtores rurais brasileiros. Os que têm mais dificuldade de acesso à rede são os pequenos e médios, responsáveis por parcela expressiva da produção nacional de alimentos.
Assim, é decisivo que a nova tecnologia cubra de modo amplo o território nacional, levando em conta que persistem numerosas áreas ainda sem o 4G. Ou seja, exige-se esforço redobrado, mas prioritário. A inclusão digital é indispensável atualmente para a educação, democratização de oportunidades, exercício profissional e o êxito dos negócios. É inadmissível que um dos gigantes da agropecuária mundial continue deixando imenso contingente de crianças, mulheres e homens alijado desse direito.
João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos -- EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).