Mapas de complexidade gerados são capazes de identificar
áreas atacadas por pragas em lavouras de soja, por exemplo
Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente (SP), da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar) e da Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo (Poli-USP) desenvolveram uma série de novos algoritmos que aprimoram a
classificação de imagens de satélite. Um dos principais diferenciais é a
facilidade em processar imagens multiespectrais (com várias bandas) conferindo
medidas quantitativas e qualitativas aos alvos na superfície terrestre de forma
mais simplificada do que métodos de classificação tradicionais.
As medidas disponíveis permitem avaliar e comparar os graus
de complexidade de diferentes alvos e são fundamentadas em um conceito-chave da
chamada Ciência dos Sistemas Complexos: a entropia informacional. “As medidas
baseadas na entropia informacional permitem calcular a diversidade de
informações presentes em imagens de sensores remotos e, assim, mensuram
diretamente as relações entre os alvos, e a sua utilização para processamento
de imagens é algo ainda pouco explorado”, destaca o pesquisador da Embrapa Luiz
Eduardo Vicente.
Vicente explica que em métodos tradicionais básicos, como
índices espectrais, é possível detectar a maior ou menor presença de biomassa
aérea vegetal utilizando sensores orbitais tradicionais, como os da série
Landsat, hoje amplamente disponíveis. Entretanto, os algoritmos propostos vão
além, e fornecem medidas que ajudam a mapear os níveis de alteração oriundos
das mudanças nos estádios (diferentes fases) da vegetação. Algo que seria
obtido apenas por processamentos mais complicados e demorados. É possível, por
exemplo gerar os chamados mapas de complexidade, nos quais áreas de transição
entre diferentes tipos de estádios de vegetação ou cultivos são delimitados,
implicando detecção da presença de reboleiras de pragas, no caso da soja, por
exemplo, ou processos de regeneração ou degradação da vegetação.
A ideia principal é prover métodos mais acurados e de
simples utilização para o monitoramento remoto de larga escala, utilizando
sensores satelitais ou mesmo imagens aerotransportadas, como veículos aéreos não
tripulados, hoje cada vez mais comuns e em grande volume, e que demandam
métodos de classificação computacionalmente cada vez mais eficientes, destaca
Vicente.
O pesquisador da Embrapa comenta que um exemplo recente de
novas aplicações trata da alta demanda do processamento de dados de
microssatélites, atualmente disponíveis para instituições governamentais, entre
elas a Embrapa, por meio da RedeMais.
"Os algoritmos, como os propostos por nós, permitirão
processamentos mais adequados às características desses sensores, de altíssima
resolução espacial e temporal, com uma constelação que permite revisitas
praticamente diárias, também possuindo bandas multiespectrais. De fato, este é
um momento disruptivo para a área de sensoriamento remoto, para o qual entramos
preparados”, comemora o cientista.
Mapas de complexidade da estação ecológica de Itirapina (SP). Com a aplicação dos algoritmos sobre a imagem de satélite original (Fig ‘C’), é possível qualificar e semi-quantificar indicadores estruturais e fitofisionômicos, bem como áreas de transição (Figuras ‘a’, ‘b’ - métricas He/HMax, SDL), antes não evidentes.
Resultados publicados
O trabalho dos cientistas foi publicado recentemente em
detalhes na revista Plos One e em um capítulo do livro Theory of
Complexity-Definitions, Models, and Applications. “Esses materiais trazem parte
dos resultados de anos de pesquisa no tema que envolvem nossas teses de
mestrado e doutorado, bem como uma longa lista de trabalhos de conclusão de
curso e de iniciação científica, e que atualmente estão consolidados na forma
de um grupo de pesquisa denominado CompPlex - Grupo de Pesquisa sobre Sistemas
Complexos Ambientais,” informa o professor da Universidade Federal de São
Carlos, Sérgio Henrique Vannucchi Leme de Mattos. (veja quadro abaixo)
Ele comenta que tanto o artigo como o capítulo de livro
escritos pelo grupo buscam mostrar não só os aspectos teóricos-conceituais e
técnicos do uso de medidas baseadas na entropia informacional, mas também como
elas podem ser aplicadas para avaliar os padrões de complexidade de diferentes
alvos. Desse modo, elas podem ser usadas como indicadoras da integridade e
resiliência de diferentes tipos de uso e ocupação das terras presentes, por
exemplo, em uma bacia hidrográfica.
Plug-ins abertos
Parte desse objetivo é cumprido na medida que os autores disponibilizam
gratuitamente os códigos dos algoritmos na forma de plug-ins para o software
gerenciador de sistemas de informações geográficas Quantum Gis. Os plug-ins
podem ser instalados no Quantum Gis sem restrições, além de possuir
documentação de apoio, e na medida do possível suporte do grupo.
“Esperamos que, em breve, formemos uma comunidade de
usuários na esfera das aplicações em geotecnologias e mapeamento de uso e
cobertura da terra”, enfatiza Cláudio Bielenki Jr., especialista em
geoprocessamento da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico que está
atuando na Universidade Federal de São Carlos e é responsável pela programação
dos plug-ins.
“Transformar teorias, como a da informação, não é uma tarefa
trivial, e expressa um dos melhores exemplos de ciência pura se transformando
em aplicada”, destaca José Roberto Piqueira, professor da Politécnica da USP.
Ele possui experiência em sistemas complexos, é referência no assunto e na
exploração de suas diversas aplicações. “Trata-se de um ramo da engenharia
elétrica no qual são comuns grandes volumes de informação e de ruído. Levar
isso para o sensoriamento remoto, análise da paisagem e processamento digital
de imagens tem sido um trabalho gratificante”, declara Piqueira.
Nesse sentido, destaca Andréa Koga Vicente, pesquisadora
especialista em Modelagem Ambiental e Mudanças Climáticas do CompPlex, “os
membros do grupo se completam de maneira eficiente. Piqueira é o mentor e
profundo conhecedor de sistemas complexos já o restante do grupo executa a tradução
nas aplicações de suas respectivas áreas”. Os próximos passos envolvem a
disponibilização dos algoritmos em aplicativos como o Agrotag, software para
aplicativos móveis da Embrapa e que possui módulos para classificação de
imagens de satélite.
De acordo com professor adjunto da UFSCar Sérgio Mattos, que
também é coordenador do Laboratório de Estudos sobre Sistemas Complexos
Ambientais (LASCA), a ideia é tornar os algoritmos mais acessíveis e de uso
ainda mais simples0, considerando que o Agrotag possui interface amigável de
uso on-line
Um grupo para investigar sistemas complexos ambientais
O CompPlex é o Grupo de Pesquisa sobre Sistemas Complexos
Ambientais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) que busca compreender as relações entre sociedade e natureza a partir de
uma abordagem sistêmica do meio ambiente. Para isso, são usados princípios,
conceitos e metodologias aplicados a sistemas complexos, já que ecossistemas,
paisagens e biosfera podem ser caracterizados como sistemas complexos
ambientais.
Os diferentes usos e ocupação da terra (como áreas de
conservação ambiental, uso agropecuário, ambiente urbano, entre outros)
refletem essas interações sociedade-natureza e a avaliação da dinâmica desses
usos ao longo do espaço e do tempo permitem o grau de sustentabilidade de
determinada região. As ferramentas permitem também avaliar como as atividades
humanas impactam essa busca por um desenvolvimento que compatibilize qualidade
de vida e qualidade ambiental.
O CompPlex conta com uma equipe multidisciplinar, composta
por pesquisadores de diferentes instituições e com formações acadêmicas e
experiências profissionais distintas.
Cristina Tordin
Embrapa Meio Ambiente
Foto Embrapa