Proteção e restauração de ecossistemas naturais na América
Latina e no Caribe podem contribuir não só para adaptação às mudanças do clima
como beneficiar a biodiversidade e aumentar a segurança alimentar e hídrica
A redução nos próximos oito anos das emissões de gases de
efeito estufa (GEE) no setor de agricultura, florestas e outros usos da terra
no Brasil e demais países da América Latina e do Caribe é essencial para
atingir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC até 2030.
Essa ação pode contribuir não só para adaptação às mudanças
do clima como também gerar uma série de outras vantagens. Entre elas, a de
beneficiar a biodiversidade e os ecossistemas, garantir a subsistência e
aumentar a segurança alimentar e hídrica.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes de um
webinário realizado pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas
Globais (PFPMCG) no dia 6 de abril. O objetivo do evento foi analisar as
implicações para o Brasil e o planeta dos apontamentos do novo relatório do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), sobre mitigação das
mudanças climáticas, lançado em 4 de abril.
O relatório indica que, a menos que ocorram reduções
imediatas e profundas das emissões de GEE em todos os setores e regiões do
planeta, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC até 2030, estipulada
no Acordo de Paris, em 2015, está fora de alcance.
“O relatório aponta que precisamos reduzir as emissões em
50% até 2030 e tornar o planeta neutro em carbono antes de 2050. Para isso
vamos precisar construir uma nova sociedade, mais sustentável e com muito mais
igualdade econômica e social”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de
Física da USP e membro da coordenação do PFPMCG.
Os próximos três anos serão críticos para atingir essas
metas, avaliaram os cientistas. O pico das emissões de GEE terá de ser atingido
até 2025 e, a partir dessa data, decrescer progressivamente de modo que, até
2030, seja equivalente à metade dos níveis registrados em 2019. Os resultados
dos inventários de emissões globais de GEE dos últimos anos mostram, contudo,
que essa tarefa não será trivial.
“Na última década foi registrado o maior volume de emissões,
embora as taxas de crescimento estejam desacelerando. Infelizmente, vemos que,
apesar de todas as promessas, continuamos observando um aumento das emissões de
todos os gases de efeito estufa”, disse Mercedes Bustamante, professora da
Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do relatório.
Essas emissões crescentes continuam sendo muito desiguais em
termos de distribuição regional, setorial e de renda.
No caso da América Latina e do Caribe, a principal fonte de
emissão é justamente o setor de agricultura, floresta e outros usos da terra,
responsável por 22% das emissões globais de GEE, incluindo carbono, metano e
óxido nitroso.
Esse setor é especialmente relevante para solucionar a crise
climática porque pode proporcionar não somente a redução das emissões de GEE,
mas também remover e armazenar CO2 em escala, ressaltou Bustamante.
“Se as opções de mitigação nesse setor forem bem projetadas
e implementadas, elas têm potencial não só de reduzir as emissões de gases de
efeito estufa, mas também gerar uma série de outros cobenefícios”, avaliou.
Entre as opções para remoção de carbono por esse setor estão
a proteção e a restauração de ecossistemas naturais, como florestas, turfeiras,
áreas úmidas, savanas e campos.
“É importante lembrar que esse setor também contribui para a
redução das emissões em outras segmentos da economia. A utilização de madeira
na construção, substituindo materiais mais intensivos em carbono, é uma contribuição
contabilizada para o setor de edificação. Já a substituição de combustíveis por
biocombustíveis também contribui, de certa forma, para a substituição das
emissões associadas ao setor de energia”, ponderou Bustamante.
Soluções disponíveis
Os autores do relatório também ressaltam que já há opções de
soluções tecnológicas disponíveis para todos os setores econômicos que podem
permitir reduzir as emissões de GEE pela metade até 2030.
Essas opções estão disponíveis a um custo de menos de US$
100 por tonelada de CO-equivalente e mais da metade delas custam menos de US$
20 por tonelada de CO-equivalente, apontam.
“O relatório aponta que o custo da redução das emissões de
gases de efeito estufa é alto, mas o de não fazer isso é pelo menos três vezes
maior. É um preço muito alto que a nossa sociedade vai ter de pagar e,
portanto, temos de diminuir os danos o máximo possível”, avaliou Artaxo.
Nos últimos anos, o custo das tecnologias de baixo carbono
também tem caído bastante, avaliam os autores do relatório. “Caiu muito o nível
de preço para a geração de energia solar, fotovoltaica e eólica, bem como o das
baterias”, disse Gilberto Jannuzzi, professor da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e coautor do relatório.
O custo das baterias no período de 2010 a 2019 diminuiu 85%
e o aumento do número de veículos elétricos em circulação nesse período foi de
cem vezes, destacou Suzana Kahn, professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e também coautora do relatório. Mas a oferta de carros elétricos
ainda é muito desigual globalmente, ponderou.
“Realmente o veículo elétrico tem um potencial enorme, está
crescendo muito, mas ainda precisa de uma infraestrutura que os países menos
favorecidos não dispõem”, sublinhou Kahn.
“É preciso ter essa infraestrutura e um setor que produza
energia elétrica de baixo carbono que será disputada não só pelo setor de
transportes, mas por outros, como o de habitação e o industrial”, avaliou.
Na contramão das energias solar, fotovoltaica e eólica, a
energia nuclear é uma das únicas opções energéticas cujo custo de geração vem
aumentando nos últimos anos. Segundo Roberto Schaeffer, professor da UFRJ e um
dos autores do relatório, a razão para isso é que ela está se tornando mais segura.
“A segurança tem um preço. E, em razão do custo de geração,
a energia nuclear não tem presença forte em nenhum dos cenários de redução de
emissões de gases de efeito estufa”, explicou.
Os pesquisadores ponderaram que a crise climática não será
solucionada só com a disponibilidade de tecnologias. Será preciso mobilizar
mudanças de comportamento, hábitos e padrões culturais.
Para essas ações individuais acontecerem, contudo, será
preciso dispor de infraestrutura, políticas públicas e financiamento, afirmaram.
“As mudanças climáticas são o maior problema em curso no planeta. As soluções para elas são complexas e certamente serão ainda menos ineficazes se não dispusermos das bases do conhecimento relevante para a tomada de decisão das ações necessárias”, avaliou Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP.
Elton Alisson | Agência FAPESP
Foto: Fredox Carvalho