Cientistas desenvolveram um processo sustentável que aproveita
solventes “verdes” usados na extração de pigmentos de biomassa de leveduras
para fabricar plásticos biodegradáveis. Artigo publicado na revista científica
Green Chemistry mostra que esse plástico “verde” poderá, no futuro, ser usado
em embalagens “inteligentes”, com propriedades antioxidantes e antimicrobianas.
Com empregos similares aos dos plásticos convencionais
derivados do petróleo, gás e carvão, que levam centenas de anos para se
decompor, os bioplásticos produzidos a partir de cana-de-açúcar, milho e batata
começam a chegar ao mercado como alternativa sustentável.
Depois de mais de oito anos de estudos, os pesquisadores
demonstraram que solventes eutéticos, chamados “verdes”, são eficazes para
extrair os carotenoides astaxantina e betacaroteno, ambos pigmentos
antioxidantes, da biomassa da levedura Phaffia rhodozyma. Esses pigmentos
naturais são de grande interesse comercial pela aplicação em diversas áreas
industriais, como alimentícia, de cosméticos e farmacêutica, entre outras.
A pesquisa concluiu ainda que os solventes podem ser usados,
simultaneamente, como agentes extratantes (para extração de compostos) e como
plastificantes para a preparação de filmes biodegradáveis à base de amido
bioativo, sem a necessidade de purificação adicional.
“Demonstramos em uma prova de conceito que é possível fazer
todo o processo de produção de um pigmento natural de forma sustentável.
Trabalhamos com duas linhas, sendo uma delas a de produção de pigmentos à base
de leveduras e a extração desses compostos naturais de alto valor econômico
usando solventes eutéticos, que são uma mistura de componentes biocompatíveis e
biodegradáveis. A outra foi a de utilizar esses extratos para fabricar
biomateriais, como o bioplástico à base de amido”, explica o professor Jorge
Fernando Brandão Pereira, do Departamento de Engenharia Química da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e um dos autores
correspondentes do artigo juntamente com Cassamo Ussemane Mussagy.
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro
projetos (20/08655-0, 19/15493-9, 18/06908-8 e 15/11759-3) e é parte do
pós-doutorado realizado por Mussagy na Universidade de São Paulo (USP), em
colaboração com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), sob a orientação do
professor Adalberto Pessoa Junior.
“Buscamos alternativas aos pigmentos sintéticos e aos
processos de extração que utilizam solventes poluentes. Trabalhamos com métodos
sustentáveis para obter os pigmentos naturais e, a partir de solventes verdes,
aplicá-los posteriormente em plásticos biodegradáveis”, conta Mussagy à Agência
FAPESP.
Os pigmentos são empregados há séculos para realçar ou
restaurar a aparência original de diferentes produtos e garantir a
uniformidade. Nos últimos anos, com a crescente busca do consumidor por
produtos mais saudáveis e de alto valor nutricional, além das preocupações com
os ecossistemas, o mercado tem procurado substituir os pigmentos sintéticos por
compostos naturais, que não poluem e podem apresentar atividades biológicas,
como ação antioxidante (astaxantina) e antimicrobiana.
Segundo os pesquisadores, estudos científicos que vêm sendo
desenvolvidos para produção e extração desses pigmentos naturais a partir de
microrganismos devem contribuir com aumento da oferta no mercado, podendo ser
empregados em diversificados produtos, como os bioplásticos. Também chamados de
biopolímeros, eles representam menos de 1% dos 367 milhões de toneladas de
plástico fabricados por ano no mundo, de acordo com a organização European
Bioplastics, representante das indústrias.
Com a pressão para reduzir a utilização de plásticos de
origem fóssil devido à poluição e ao volume de lixo produzido, o setor de
biopolímeros prevê um crescimento nos próximos anos, impulsionado pela demanda
por alternativas sustentáveis vinda das áreas de embalagens, eletroeletrônicos
e até têxteis. A estimativa é que a produção aumente de cerca de 2,42 milhões
de toneladas em 2021 para 7,59 milhões de toneladas em 2026.
O desenvolvimento de novos biopolímeros tem sido o foco
principal do grupo de pesquisa do professor na Unesp Rondinelli Herculano, que
colaborou na pesquisa ndo bioplástico à base de amido.
No Brasil, o relatório “Atlas do Plástico”, divulgado em
2020 pela Fundação Heinrich Böll, organização alemã sem fins lucrativos,
apontou que 11 milhões de toneladas de plástico foram descartados em 2018.
Representou 13,5% do volume de resíduos naquele ano, colocando o país como o
quarto maior produtor de lixo plástico. Para a Organização das Nações Unidas
(ONU), a poluição plástica é uma ameaça crescente em todos os ecossistemas,
especialmente os aquáticos, já que compõe 85% dos resíduos que chegam aos
oceanos.
“Os processos atuais de produção industrial ainda são
agressivos, mesmo que o produto seja biodegradável. Um exemplo é o do papel
que, apesar de ser renovável e reciclável, tem, majoritariamente, métodos de
fabricação não sustentáveis, isto é, com alto consumo de energia, de água e de
compostos químicos tóxicos. Nesta pesquisa, demonstramos que é possível obter
bioplásticos utilizando uma plataforma integrada e mais sustentável”, afirma
Pereira.
O processo
Os cientistas produziram os carotenoides cultivando a
Phaffia rhodozyma em biorreator. Posteriormente usaram líquidos iônicos e
solventes eutéticos à base de colina, uma das vitaminas do complexo B produzida
pelo organismo humano e encontrada na natureza, conjugados a ácidos graxos
(butanoicos) para extrair os pigmentos da levedura.
Tanto os líquidos iônicos como os eutéticos são apontados
como “solventes ideais” para a extração de compostos de matrizes naturais, principalmente
por suas propriedades de solvatação, fenômeno que ocorre quando um composto
iônico se dissolve em uma substância polar sem formar uma nova.
Para maximizar a recuperação de astaxantina (um dos mais
importantes antioxidantes naturais produzidos por leveduras ou microalgas) e de
betacaroteno, os pesquisadores testaram cinco concentrações de
biomassa-solvente (relação sólido-líquido), considerada um parâmetro crucial em
procedimentos de ruptura celular para recuperar moléculas intracelulares de biomassas
microbianas.
“Empregamos os biossolventes para que o pigmento fosse
extraído da biomassa da levedura e pudesse ser aplicado. Detectamos que o
solvente com melhor resultado, além de extrair o corante da biomassa do
microrganismo, também atuou como agente plastificante para embalagem”, diz a
professora da Unesp Valéria de Carvalho Santos Ebinuma, uma das orientadoras do
trabalho.
“Para termos pesquisas de alto nível, é preciso investimento
constante e de longo prazo. Por isso, o apoio da FAPESP é importante”, afirma
Mussagy.
Os próximos passos agora têm como foco a aplicação dos
resultados para demonstrar que as embalagens com esse tipo de plástico “verde”
podem ser usadas com várias finalidades, incluindo a indústria alimentícia.
O artigo Ionic liquids or eutectic solvents? Identifying the best solvents for the extraction of astaxanthin and β-carotene from Phaffia rhodozyma yeast and preparation of biodegradable films pode ser lido em:
https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2022/gc/d1gc03521e.