Desmatamento no Cerrado traz alerta para segurança hídrica

Regiões hidrográficas abrigam grande parte da vegetação nativa do bioma; mais devastadas, bacias localizadas no Matopiba chegaram a perder metade da cobertura original.

O desmatamento no Cerrado em 2021 se concentrou em duas das principais regiões hidrográficas do país, a do Tocantins-Araguaia e a do São Francisco. Juntas, perderam 56,8%, ou 4.840,86 km², do total de 8.523,44 km² derrubados no bioma entre agosto de 2020 e julho no ano passado. A bacia do Rio Tocantins foi a mais afetada: concentrou 23% do total desmatado, ou 1.961,13 km², uma área maior que a capital do Maranhão, São Luís. É seguida pelas bacias do Médio São Francisco, que responde por 15,9%, ou 1.356,65 km² do total suprimido, e a do Araguaia, com 15,7% (1.336,5 km²).
 

Cientistas do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) realizaram a análise com base nos dados do Prodes, sistema de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), após notícia sobre possível desmobilização, por falta de verba, de equipe que monitora o Cerrado. Diretor no Inpe, Clézio De Nardin disse que não são verdadeiras as informações de que o trabalho seria descontinuado a partir de abril.
 

Presidente do Conselho Deliberativo do IPAM e professora da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante alerta para o risco à segurança hídrica. "O monitoramento das condições da cobertura e uso do solo nas bacias hidrográficas do Cerrado é essencial para a gestão de recursos hídricos e para a elaboração de estratégias adequadas de restauração de paisagens funcionais."
 

Segundo o mapeamento do Prodes, mais da metade da vegetação nativa do Cerrado - 51% ou 1,01 milhão de km² - já foi desmatada. "É importante destacar a contribuição do Cerrado para uma fração significativa das regiões hidrográficas no Brasil e que as bacias são unidades básicas de planejamento e gestão ambiental. Dados contínuos do estado das bacias abrem possibilidades de atuar mais rapidamente e de forma mais efetiva para evitar ou mitigar impactos negativos de mudanças em larga escala", acrescenta Bustamante.
 

As três bacias - do Tocantins, do Araguaia e do São Francisco - guardam 47% (456,25 mil km²) de toda a vegetação nativa remanescente no bioma. De acordo com dados do Prodes, são 183,46 mil km² de vegetação nativa na bacia do Tocantins (62,4% de sua área total), 148,6 mil km² na bacia do Araguaia (49,9% de sua área total) e 124,1 mil km² na bacia do Médio São Francisco (59,1% de sua área total).
 

Pastagem e agricultura
 

Em uma série histórica de 1985 a 2020, a iniciativa MapBiomas mostra que as regiões hidrográficas do Tocantins-Araguaia e do São Francisco são responsáveis por metade (48,6%) do aumento de área da agropecuária no Cerrado no período analisado. Foram 86 mil km² de áreas convertidas ao setor na região hidrográfica do Tocantins-Araguaia e 43 mil km² na região do São Francisco.
 

Cerca de 99,6% das áreas desmatadas na região hidrográfica do Tocantins-Araguaia já foram destinadas à pastagem e à agricultura. Na região do São Francisco, foram 77,4% das áreas destinadas à pastagem, à agricultura e à silvicultura.
 

Consequências para todos
 

"Estamos assistindo ao direcionamento do desmatamento do Cerrado para as fisionomias savânicas e campestres. São áreas produtoras de água que, uma vez convertidas desordenadamente em agricultura, consomem e esgotam os recursos hídricos regionais", alerta o pesquisador do IPAM no MapBiomas, Dhemerson Conciani. "Os sucessivos recordes de desmatamento na região e dados históricos sobre a diminuição da superfície natural de água mostram que essa conta não fecha: além dos impactos à biodiversidade e ao bem-estar humano, a própria produtividade agrícola e a geração de energia hidrelétrica também sofrerão as consequências no médio prazo", complementa.
 

Nos últimos 30 anos, segundo o MapBiomas Água, houve uma diminuição de 47% (1.260 km²) da superfície natural de água na região hidrográfica do São Francisco e uma de 10,4% (1.530 km²) na região do Tocantins-Araguaia, que abriga o maior contínuo de ecossistemas úmidos do Cerrado brasileiro. 

Foto Geenpeace

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