Civilização e Inovação: entre a herança moderna e os dilemas contemporâneos

Por Antônio Márcio Buainain

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Por Antônio Márcio Buainain

A Revolução Industrial costuma ser vista como um marco abrupto da história, fruto de avanços tecnológicos e científicos que transformaram estruturas econômicas e sociais. Essa visão simplifica trajetórias históricas complexas que prepararam seu surgimento. O livro Civilização e Inovação: a Revolução Industrial como um Fenômeno Evolucionário Civilizacional, de Ademar Ribeiro Romeiro (Editora Annablume, 2024), mostra que a Revolução não foi um evento isolado, mas resultado de uma trajetória civilizacional iniciada com o sistema feudal no século XI e que promoveu uma inédita abertura à inovação. A interação entre inovações culturais, institucionais, organizacionais e tecnológicas criou as condições para uma “explosão” de avanços que impulsionaram o crescimento econômico sustentado.

Romeiro também ressalta que inovação é um processo de longo prazo, resultado de acúmulos históricos, e que as rupturas são, muitas vezes, desdobramentos de tendências preexistentes. O fortalecimento da ciência moderna, a racionalização da produção e o avanço das instituições de mercado foram conquistas graduais. Soma-se a isso o papel crucial do Estado e de elites reformadoras, que, por meio de decisões políticas e projetos estratégicos, viabilizaram a emergência da economia industrial.

O uso do termo “civilizacional” convida a uma reflexão mais ampla sobre os fundamentos da modernidade. Embora no livro ele apareça de forma descritiva, aqui ganha um sentido normativo: civilização como projeto coletivo orientado por valores éticos e políticos, baseado em quatro pilares: a valorização do trabalho produtivo, substituindo a ociosidade aristocrática; a crença no progresso e na razão instrumental, com seus benefícios e riscos; a universalização dos direitos e da cidadania, ainda que de forma desigual e com contradições; e a ideia de civilização como superação da barbárie — que, muitas vezes, também serviu para justificar a dominação de povos sob o pretexto do progresso.

Vivemos hoje uma nova revolução — digital, biotecnológica, algorítmica — cujos impactos talvez ainda não compreendamos completamente. E o grande dilema é: que tipo de civilização estamos construindo?

O trabalho, que foi eixo da cidadania e do bem-estar, é cada vez mais ameaçado pela automação, gerando desemprego, obsolescência funcional e perda de sentido. Como sustentar o tecido social sem o trabalho como referência?

A razão técnica, antes vista como esperança de emancipação, tornou-se também fonte de risco. A ciência nunca demonstrou tanto seu valor como na resposta à pandemia, nos avanços da inteligência artificial, das vacinas e das energias renováveis — e, ainda assim, nunca foi tão contestada por parcelas significativas da sociedade. Além disso, mesmo quando reconhecemos a ciência, ela não basta. As grandes crises do nosso tempo exigem novos arranjos institucionais, mecanismos de cooperação internacional, formas eficazes de financiamento e, sobretudo, decisões políticas corajosas. Sem uma orientação civilizatória, mesmo as soluções mais sofisticadas podem fracassar — ou agravar os problemas que pretendem resolver

A cidadania, antes promessa de universalidade, sofre a corrosão das bolhas digitais e dos algoritmos de segmentação. Os direitos tornam-se fragmentados, o acesso à informação é mediado por interesses opacos, e a política é capturada por lógicas de mercado e performance. O Estado, que no passado foi motor da inovação civilizacional, aparece agora hesitante — ou mesmo capturado.

Os paradoxos estão postos.

 Antônio Márcio Buainain, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do CEA/IE/Unicamp e do INCT/PPED


Link para o download gratuito do livro: 

https://www.economia.unicamp.br/images/publicacoes/Livros/geral/propriedade-intelectual-royalties-e-inovacao-na-agricultura-controversias-sobre-o-papel-da-pi-na-agricultura.pdf

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