O que estaria em jogo com nova lei que converteria Amazônia em Cerrado em MT?

Saiba quais áreas poderiam ser desmatadas em Mato Grosso e os impactos da supressão caso a legislação fosse aprovada pelo governo do Estado

O que estaria em jogo com nova

Lei que quer converter florestas da Amazônia em Cerrado poderia provocar um aumento no desmatamento estimado em 5,5 milhões de hectares de florestas, área equivalente ao território da Paraíba, segundo dado do Observa-MT (Observatório Socioambiental de Mato Grosso).

Isto porque, de acordo com o Código Florestal Brasileiro, o porcentual de reserva legal (ou seja, a área onde o desmate é proibido) é de 80% para propriedades privadas da Amazônia e de 35% para propriedades privadas no Cerrado localizadas dentro da Amazônia Legal.

A legislação será vetada ou sancionada pelo governo de Mato Grosso nos próximos dias.

Quais áreas correm risco de supressão?

A nova legislação ameaça as áreas de ecótono em Mato Grosso, como são chamadas as zonas de transição ambiental. “Mesmo sendo zonas mistas de contato entre os dois biomas, ocorre um total predomínio de características e formações florestais – mas que não são as mesmas florestas do Cerrado”, afirma Leonardo Maracahipes-Santos, pesquisador do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Ele é coordenador da Estação de Pesquisa Tanguro, localizada na área de transição entre Cerrado e Amazônia no município de Querência (MT). “Essa caracterização como um ambiente florestal é muito claro em todas as escalas de observação: tanto por imagens de satélites, quanto por observações locais, onde é perceptível o quanto essas áreas possuem maior umidade relativa do ar e menores temperaturas comparado às áreas de savanas do Cerrado”, complementa.

Ainda, as áreas de ecótono possuem características próprias que se adaptaram evolutivamente às condições intermediárias. “Na região de transição entre a Amazônia e o Cerrado, como encontramos na Tanguro, há uma complexa mistura de características de ambos os biomas, tornando-a única em termos de biodiversidade e funções ecológicas”, explica o pesquisador.

Essas diferenças não se limitam à vegetação. Vanessa Ribeiro, pesquisadora bolsista do IPAM, participou de um estudo que coletou animais na fazenda onde fica a Estação de Pesquisa Tanguro e em outras três fazendas do Cerrado. “Os resultados mostraram que as espécies são similares entre as três fazendas, mas muito diferentes da Tanguro com relação a mamíferos e formigas, por exemplo”, diz Ribeiro.

Segundo a pesquisadora, alterações no ambiente como desmatamento e fogo podem resultar em um efeito cascata nas funções ecossistêmicas e prejudicar o sistema como tudo. “Isto porque cada indivíduo presente em determinado bioma cumpre uma função”, explica.

Qual o impacto da supressão dessas áreas?

As áreas de vegetação nativa passíveis de desmatamento, caso a nova lei seja sancionada, são cruciais não apenas para a biodiversidade, mas para a gestão dos recursos hídricos, manutenção das chuvas e a regulação climática, essenciais para a produção agropecuária.

“Alterações na classificação e no manejo dessas áreas podem ter impactos significativos não apenas localmente, mas em escalas muito mais amplas, influenciando os ciclos de água e carbono e, consequentemente, o clima regional e global”, reforça Maracahipes-Santos.

Ludmila Rattis, pesquisadora do IPAM que também desenvolve trabalhos na Estação de Pesquisa Tanguro, ressalta que os tipos de vegetação que estão ameaçados pela nova lei são responsáveis por uma diminuição da temperatura média da região do Xingu em 5 graus, e a falta delas pode diminuir a ciclagem de água de 200 mm. “Essa redução na chuva é grande e fará falta. É tudo o que o produtor de soja em MT não quer e não pode se dar ao luxo, ainda mais com os veranicos atuais”, acrescenta.

Outro estudo publicado pelo IPAM mostrou que no sudeste da Amazônia, onde há florestas ameaçadas pela nova lei, a vegetação das terras indígenas é responsável pela estabilização do clima. “A temperatura média anual dentro do Território Indígena do Xingu é 5°C menor do que a registrada no entorno, onde predominam monoculturas e pastagens, que podem chegar a 40°C. Esses ativos florestais desempenham um papel fundamental na região pois já são raros por ali”, complementa Rattis.

Deixar as florestas passíveis à supressão é também correr o risco de liberar todo o carbono estocado na vegetação. “Com a frequência e intensidade cada vez maior de eventos climáticos extremos, secas e chuvas severas, queimadas e temperaturas elevadas, que muito tem a ver com o desmatamento, a discussão deveria estar em torno de como preservar ainda mais os atuais recursos naturais intactos e recuperar áreas degradadas”, endossa Maracahipes-Santos.


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