Com conhecimento técnico e científico, em mais de 20 anos de estudos, essa ação promete impactar a forma de fazer repovoamento de peixes em todo o país.
Duas espécies de peixe, o dourado e o lambari-do-rabo-amarelo, foram reintroduzidas ao Rio Paranapanema a partir de estudo inédito e adoção de metodologia inovadora sobre conservação e recuperação de peixes, desenvolvidos na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Com conhecimento técnico e científico, em mais de 20 anos de estudos, essa ação promete impactar a forma de fazer repovoamento de peixes em todo o País.
Intitulado “Desenvolvimento e aplicação de um programa inovador para a conservação e recuperação do estoque pesqueiro do Rio Paranapanema”, o Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento (modelo P&D) é conduzido pelo Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas (Lepib), em parceria com o Laboratório de Genética e Ecologia Animal (Lagea), ambos do Centro de Ciências Biológicas (CCB), com apoio da Agência Nacional de Energia Elétrica, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), e financiamento da concessionária de energia elétrica CTG Energia Paranapanema S/A.
Ele começou em 2018 e tem duração de 48 meses, com possibilidade de prorrogação por mais 24 meses. O grande diferencial do estudo, segundo o biólogo e doutor em Zoologia Mario Luis Orsi, responsável pelo Lepib, é o formato do repovoamento baseado em pesquisa científica, desde a genética até a ecologia.
Ele conta que as espécies foram soltas em apenas uma parte da bacia hidrográfica, no Reservatório da Usina Hidrelétrica de Rosana, usado como modelo para a nova proposta. Enquanto que, em outra parte, no Reservatório Usina Hidrelétrica de Taquaruçu, foi utilizada a metodologia tradicional, para ter uma comparação.
Resultados preliminares já apontam presença e permanência de grupo de espécies importantes em Rosana. O dourado, que é uma espécie rara e com risco de extinção, e o lambari-do-rabo-amarelo, que é pouco abundante, já são encontrados em diferentes tamanhos e fases da vida, mostrando o fechamento do ciclo de desenvolvimento, resultado que indica melhoria das condições da comunidade de peixes.
Segundo o pesquisador, o estudo pode impactar todo o Brasil. “A soltura de peixe controlada, com base técnica e científica, pode realmente ajudar, em qualquer local, a se fazer o manejo de conservação, que até então não era feito. Pode causar reflexo para pescadores, sociedade e como indicativo ambiental dessas áreas, pois a grande maioria das solturas carecem de informações da real eficácia desse manejo”, afirma.
REINTRODUÇÃO – O problema encontrado anteriormente era a soltura de peixes sem qualquer avaliação prévia dos impactos que poderiam ser causados. Orsi relata que, ao invés de ajudar, isso acabava prejudicando. Um exemplo conhecido no Paraná é a introdução de espécies não nativas para pesca esportiva, como tucunaré e corvina, provenientes das regiões Norte e Nordeste, o que resultou na predação e competição junto a espécies nativas.
O doutorando Armando César Rodrigues Casimiro contextualiza que a reintrodução de espécies de peixes em rios, chamada de peixamento, é feita desde o final do século 19. Porém, não se tinha estudo, por exemplo, de como e onde soltar o peixe. A ideia era simplesmente "jogar o peixe na água que ele irá sobreviver". “Sem embasamento técnico, as consequências trazidas são negativas, causando desequilíbrio no ecossistema”, diz.
A pesquisa desenvolvida por ele trata de espécies moduladoras, que vão ajudar a cadeia de cima para baixo (top-down), como o dourado, de grande porte, e debaixo para cima (bottom-up), como o lambari-do-rabo-amarelo, de pequeno porte. “Isso reajusta e reorganiza a comunidade”, afirma.
Exemplo parecido, citado por ele, foi a reintrodução de lobos no Parque de Yellowstone, nos Estados Unidos, que permitiu a reorganização de toda a cadeia e, inclusive, o retorno de água no curso de rios.
Outro estudo realizado juntamente a este pelo biólogo colaborador Matheus Chueire Luiz, avalia pequenas espécies na zona litorânea dos rios. Segundo o estudo, há a diminuição de espécies invasoras, além do retorno de outras espécies nativas de pequeno porte. Na região da UHE de Rosana, por exemplo, foram identificadas 55 espécies, sendo metade de pequeno porte.
Em todo o Rio Paranapanema, com seus mais de 900 quilômetros, na divisa entre os estados do Paraná e de São Paulo, a quantidade é muito maior: mais 160 espécies de peixes foram descritas. “Nossa ictiofauna é a mais rica do mundo”, afirma Casimiro.
NOVA ESTRUTURA – Desde o final de 2019, o Lepib assumiu a antiga estação de piscicultura, localizada na Fazenda Escola, e na atualidade se denomina Laboratório de Ecologia Aquática e Conservação de Espécies Nativas (Leacen).
Nas estruturas existentes, os pesquisadores recebem as espécies ainda pequenas da CTG Paranapanema, e as desenvolvem até que estejam em tamanho adequado para soltura nas áreas selecionadas do rio. Segundo Mário Luís Orsi, futuramente o espaço será utilizado também para um centro de conservação de espécies em extinção, numa parceria com o Ibama.
O Lepib tem pesquisas em andamento com quatro estudantes de doutorado, dois de mestrado e cinco estudantes de Iniciação Científica (IC). O Laboratório de Genética e Ecologia Animal (Lagea) tem três doutorandos. Em conjunto, três pós-doutorandos desenvolvem estudos nos laboratórios relacionados ao projeto de P&D.