Brasil utiliza prática sustentável e se torna exemplo para EUA na colheita de cana-de-açúcar

Canaviais usam máquinas o que torna a prática cada vez mais sustentável

O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo e chega a cultivar mais de oito milhões de hectares de fazendas produzindo açúcar cru, etanol e eletricidade. As queimadas que poluíam o ar eram feitas para facilitar o corte manual, contudo após investimentos, os canaviais  usam máquinas o que torna a prática cada vez mais sustentável.

Preocupados com o impacto da queima da cana-de-açúcar na Flórida (EUA), que envia fumaça e cinzas em direção às comunidades de baixa renda e de maioria afro-americana e latina no coração do Estado os repórteres do jornal "The Palm Beach Post" e da agência americana ProPublica investiga visitaram recentemente o Brasil, para conhecer e aprender sobre o método aqui utilizado.

O Estado de São Paulo é o que mais produz cana-de-açúcar no país e a partir dos anos de 1990, os moradores manifestaram preocupações similares àquelas dos moradores das Glades, na Flórida, hoje: eles reclamaram das cinzas e fuligem que cobriam suas casas e dos problemas respiratórios.

As autoridades brasileiras pressionadas pelos moradores devido aos problemas de saúde que o método provocava, aprovaram a Lei nº 11.241, de 19 de setembro de 2022 que dispõe sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar nas próximas três décadas.

Diante da nova lei, os produtores investiram em máquinas de colheita que lhes permitiam cortar a cana sem queimar. Nos anos seguintes, o setor de cana-de-açúcar trabalhou com o Governo de SP para eliminar quase todas as queimas até 2017 e criar outras medidas de proteção ambiental (até 2031, a queima continua permitida em áreas com uma declividade alta demais para colheita mecânica).

Em entrevista aos repórteres do jornal "The Palm Beach Post" e da agência americana ProPublica, o Diretor Técnico da União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA), Antonio de Padua Rodrigues informou que os resultados têm sido ostensivos. As folhas secas de cana-de-açúcar, que antes viravam fumaça, hoje formam um colchão de proteção nos campos, enriquecendo o solo. Algumas dessas folhas, comumente chamadas de palha no Brasil, também são recolhidas para a cogeração de energia renovável.

O excesso de eletricidade das usinas é vendido para a rede, geralmente com lucro significativo.
"Hoje eu não tenho a menor dúvida que ninguém quer voltar no passado e que ninguém quer voltar a queimar a palha", reforçou o Diretor Técnico da UNICA.

Resultados e divergências

A ProPublica fez vários pedidos aos dois maiores produtores de açúcar da Flórida para filmar os processos de colheita e moagem e gravar entrevistas em vídeo com os representantes das empresas, para a reportagem. O porta-voz da U.S. Sugar recusou e a Florida Crystals não respondeu aos múltiplos pedidos de comentários.

Esta última, porém, havia previamente informado aos veículos de imprensa que o Brasil é um dos vários países "impróprios para se comparar com o sul da Flórida", por causa das diferenças de solo, clima e regulamentação.

Embora a empresa não tenha dado detalhes sobre suas alegações, um grupo ligado ao setor argumenta que a palha derivada da colheita de cana crua, sem queima, apodreceria os solos ricos em nutrientes da Flórida e atrairia pragas.

Já os agrônomos brasileiros, renomados e líderes do setor, reconheceram que o solo da Flórida difere do Brasil em alguns aspectos chave, contudo os desafios criados pelas sobras de palha podem ser gerenciados de forma eficaz. "Se o problema for a palha, aí retira e faz a cogeração. Ele ganha duas vezes," disse Arnaldo Bortoletto, presidente da Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana). Na verdade, parte da cana na Flórida já é colhida sem queima quando está localizada em zonas de amortecimento "sensíveis à fumaça" perto de escolas, hospitais, rodovias e casas asilares.

Nem a U.S. Sugar nem a Florida Crystals responderam às perguntas sobre por que as colheitas sem queima não poderiam ser expandidas.

Judy Sanchez, uma vice-presidente da U.S. Sugar, contou anteriormente ao The Palm Beach Post e à ProPublica que qualquer mudança nas práticas de colheita na Flórida teria "impactos econômicos significativos". Quando solicitada a dar detalhes, porém, a empresa não respondeu.

No Brasil, o setor transitou com sucesso pelos impactos financeiros da transição. As empresas tiveram que requalificar os funcionários e desenvolver brigadas de combate aos incêndios nos canaviais, entre outras mudanças. A compra de colheitadeiras foi um dos maiores investimentos, segundo a União da Indústria de Cana-de-açúcar, um grupo comercial que representa usinas e fábricas de etanol.

Especialistas brasileiros notaram que as empresas da Flórida compraram máquinas de colheita e vêm fazendo uso delas há anos. "Simplesmente vão usar a mesma máquina que colhe queimado e vão colher crua", disse Marcos Landell, Diretor-Geral do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), uma importante instituição de pesquisa agropecuária e faculdade de pós-graduação no Estado de São Paulo.

A indústria e autoridades governamentais na Flórida alegam que o Brasil fornece algum tipo de subsídio que ajudou a compensar os custos da transição. Entretanto, autoridades governamentais e executivos do setor sucroalcooleira no país explicaram que a indústria se beneficiou, porém, de políticas federais de apoio à agricultura, ao fomento da produção e uso do etanol e outras fontes de energias renováveis.

Nos Estados Unidos, o governo federal "apoia os preços do açúcar americanos, que geralmente estão bem acima dos preços comparáveis no mercado mundial", segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. No Brasil, a transição para a colheita mecanizada resultou em perda de empregos, pois eram necessários menos trabalhadores para operar as máquinas novas do que para cortar a cana manualmente.

Ao longo do último ano, autoridades locais na Flórida e moradores das Glades disseram à ProPublica que eles temiam um resultado parecido se as queimas na Flórida parassem. Mas especialistas brasileiros disseram a reportagem que não esperariam uma perda significativa de empregos na Flórida porque a colheita lá já é mecanizada, um processo que ocorreu na década de 1990.

Nos Estados Unidos, foram feitas poucas pesquisas sobre como a Flórida poderia fazer a transição para um novo método de colheita. Agrônomos na Universidade da Flórida fizeram um estudo sobre métodos de colheita alternativos e nos contaram que deixar a palha no solo da Flórida poderia tornar as plantas mais propensas ao congelamento e inibir o crescimento no curto prazo, mas poderiam gerar benefícios de longo prazo. O estudo, que foi financiado pela Liga de Cana-de-Açúcar da Flórida - um grupo da indústria - e o Departamento de Energia da Flórida, não examinou a viabilidade econômica, incluindo as implicações de trabalho, em tal transição.

Queimadas reguladas, em vez de proibidas

Autoridades na Flórida optaram por regular as queimas em vez de proibi-las. Mas a ProPublica e The Palm Beach Post descobriram que os reguladores se baseiam em um sistema de monitoramento de ar desgastado que não leva em conta os picos de poluição de curto prazo, uma marca registrada da queima de cana na Flórida.

Reconhecendo o potencial de dano humano, o Departamento da Flórida Agricultura e Serviços ao Consumidor aprovou novas restrições às queimas em 2019. Mas o número de queimas permitidas recentemente na safra de 2020/21 se compara ao dos anos anteriores.

Questionada, a Secretária de Agricultura, Nikki Fried, disse que acredita que "é possível que a colheita verde seja uma alternativa viável", mas seu gabinete disse que nenhum método de colheita alternativo "se mostrou uma opção ambiental e economicamente viável". Enquanto isso, pesquisas do Estado da Flórida sobre os efeitos da queima de cana-de-açúcar na saúde parecem ter sido suspensas.

Texto: The Palm Beach Post e ProPublica - colaboração para o UOL, nos EUA – editado pelo Canal da Cana

*Lulu Ramadan, do "The Palm Beach Post", e Letícia Klein da Ambiental Media contribuíram com a reportagem. Doris Burke contribuiu com a pesquisa.

Foto: revistacampoenegocios.com.br

 

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