Vinho, do parreiral à mesa

Por Décio Luiz Gazzoni

Vinho, do parreiral à mesa

Por Décio Luiz Gazzoni

O vinho é um dos prazeres mais sofisticados da vida. A história da produção da uva, elaboração e consumo de vinho se estende por milênios. Há evidências que os primórdios da elaboração de vinho ocorreram na Geórgia e no Irã, cerca de 6.000 a 5.000 a.C. Neste artigo vamos descrever, sinteticamente, como é elaborado um vinho de qualidade.

No campo

A elaboração do vinho inicia no vinhedo, pois a qualidade das uvas determina a qualidade do vinho mais do que qualquer outro fator. Ela é afetada pela variedade, pelo clima, pelos nutrientes minerais, acidez e microbioma do solo, método de poda, manejo fitossanitário, a época da colheita e outras práticas de manejo, que compõem o terroir do vinho.

A colheita da uva é uma das práticas mais importantes. Existe o momento correto de colheita, a forma como é feita, os cuidados com a sanidade, e a homogeneidade das bagas. A decisão de colher uvas é tomada pelo viticultor, lastreada na sua experiência de muitos anos. Deve-se colher apenas os cachos maduros evitar os que contenham bagas ainda verdes, com enfermidades ou outros defeitos.

Cuidados devem ser observados no transporte do vinhedo para a indústria, o qual deve ser efetuado em vasilhames pequenos ou bins (caixas com capacidade para até 500 quilos), higienizados, evitando solavancos, exposição demorada ao sol e atraso na entrega da uva para a indústria.

Esmagamento

Na recepção da indústria o lote de uvas é identificado, pesado, analisado e encaminhado para a moega de uma máquina esmagadora e desengaçadora. Esmagamento é o processo de espremer suavemente as frutas e quebrar as cascas, a fim de liberar o conteúdo do interior das bagas. O desengace consiste em remover as uvas do ráquis ou engace, que é a parte do caule que suporta as bagas de uvas.

Os engaces são removidos antes da fermentação, pois apresentam um teor elevado de tanino que, em excesso, confere sabor amargo e adstringente ao vinho. Dependendo do processo, uma pequena quantidade de partículas do caule pode ser mantida com as uvas, para compor a estrutura de tanino do futuro vinho.

As cascas da uva conferem a tonalidade dos vinhos tintos, devido à presença de antocianinas, sendo o contato entre o suco e as cascas essencial para a formação da cor característica. O vinho branco é elaborado pela fermentação do suco, obtido pressionando uvas esmagadas, removendo-se as cascas, processo este denominado “vinificação em branco”.

Na produção de vinhos tintos, o mosto é prensado após a fermentação primária, que separa as cascas e outras matérias sólidas do líquido. Para vinhos brancos, o líquido é separado do mosto antes da fermentação. Para a elaboração de vinhos rose, as películas podem ser mantidas em contato por um período curto para conferir cor ao vinho.

Fermentação alcoólica

A fermentação primária, ou alcoólica, transforma os açúcares do vinho em álcool, um processo mediado por fermentos ou leveduras. Essas normalmente estão presentes nas uvas, mas isso pode redundar em resultados imprevisíveis, dependendo das espécies de leveduras, prejudicando a qualidade do vinho.

Por esse motivo, as leveduras presentes na uva são eliminadas, com a adição de dióxido de enxofre (SO2) ao mosto, devido às suas propriedades antimicrobiana e antioxidante. Uma levedura cultivada, de qualidade conhecida e garantida, é adicionada ao mosto, sendo a ação denominada pé-de-cuba. A levedura mais utilizada é a Saccharomyces cerevisiae.

Após a fermentação primária das uvas vermelhas, o vinho é bombeado para outros vasilhames, e as cascas são prensadas para extrair o líquido ainda retido. O vinho de prensa pode ou não ser misturado com o vinho bombeado anteriormente, a critério do enólogo.

Fermentação malolática

Na sequência de elaboração de vinho tinto ocorre a fermentação malolática, um processo bacteriano que converte ácido málico – que é o ácido que confere o sabor de “maçã verde” à fruta – em ácido lático (presente no leite), suavizando o sabor do vinho. Além de reduzir a acidez, a fermentação malolática confere uma textura mais cremosa, aromas e sabores lácteos e amanteigados ao vinho.

A levedura Oenococcus oeni, pode sintetizar moléculas de álcoois superiores, voláteis que são percebidos na análise sensorial como notas frutadas no aroma do vinho. Também pode decompor compostos aromáticos, ligados a uma molécula de açúcar, resultando em compostos voláteis agradáveis, percebido no buquê de aromas do vinho.

Corte e clarificação

Lotes diferentes de vinho podem ser misturados antes do engarrafamento para atingir o sabor desejado, processo denominado de corte. Os enólogos combinam as características de cada uva para criar vinhos mais equilibrados, complexos e sofisticados.

A gelatina é muito usada na clarificação. Além dela, outros agentes de clarificação para vinho são derivados de produtos animais, como caseinato de potássio (caseína é proteína do leite), clara de ovo e albumina de ovo. Agentes de filtragem não animais também são frequentemente usados, como bentonita, terra diatomácea, almofadas de celulose, filtros de papel e filtros de membrana, que são filmes finos de material de polímero plástico.

Finalização

Na fase final de elaboração do vinho, alguns procedimentos são adotados, como a filtração, que objetiva adequar a tonalidade do vinho e promover a sua estabilização microbiana. Para tanto, organismos que afetam a estabilidade do vinho são removidos, reduzindo assim a probabilidade de refermentação ou deterioração.

A menos que seja um vinho para consumo imediato, ele é transferido para barris, sendo a madeira do carvalho a mais comumente utilizada. O vinho permanece no recipiente para amadurecer por um período de semanas ou meses, objetivando conferir aromas típicos de carvalho ao vinho.

Atingindo as características definidas pelo enólogo, o vinho é engarrafado e distribuído para consumo, devendo ser mantido em temperatura adequada (12-16oC), baixa luminosidade e sem perturbações mecânicas.


Por Décio Luiz Gazzoni, enólogo e engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica

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