A água cobriu 18,3 milhões de hectares do Brasil ou 2% do território nacional, em 2023. Embora essa extensão corresponda ao dobro da área de um país como Portugal, ela representa uma queda de 1,5% em relação à média histórica. Houve perda de água em todos os meses de 2023 em relação a 2022, incluindo os meses da estação chuvosa. A última vez que foi registrada retração da superfície hídrica no Brasil foi em 2021, quando houve uma redução de 7%. Os dados são do MapBiomas Água, que está lançando uma nova coleção de mapas e dados, cobrindo o período entre 1985 e 2023, nesta quarta (26/06). Os biomas estão sofrendo com a perda da superfície de água desde 2000, com a década de 2010 sendo a mais crítica.
Corpos hídricos naturais respondiam por 77% da superfície de água no país em 2023; os outros 23% são antrópicos, ou seja, água armazenada em reservatórios, hidrelétricas, aquicultura, mineração, etc., que totalizam 4,1 milhões de hectares. Desse total, os grandes reservatórios, que são monitorados pela Agência Nacional de Águas, somam 3,3 milhões de hectares - um crescimento de 26% em 2023 em relação a 1985.
Nos corpos hídricos naturais, a situação é outra: houve uma queda de 30,8% ou 6,3 milhões de hectares em 2023 em relação a 1985. Metade (6) das bacias hidrográficas do país estiveram abaixo da média histórica em 2023 – percentual semelhante ao das sub-bacias nível 1 (53%, ou 44 delas) e das sub-bacias de nível 2 (57%, ou 156 sub-bacias).
A superfície de água em dez estados, ou seja, um pouco mais de um terço (37%) das unidades federativas ficou abaixo da média histórica em 2023. Os casos mais severos ocorreram nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, com perda de superfície de água de 274 mil hectares (-33%) e 263 mil hectares (-30%), respectivamente. No caso dos municípios, ficaram abaixo da média histórica mais da metade (53%, ou 2.925). O município de Corumbá (MS) foi o que mais perdeu superfície de água em 2023 em relação a média da série histórica: 261 mil hectares (-53%).
“Enquanto o Cerrado e Caatinga estão experimentando aumento na superfície da água devido à criação de hidrelétricas e reservatórios, outros, como a Amazônia e o Pantanal, enfrentam uma grave redução hídrica, levando a significativos impactos ecológicos, sociais e econômicos. Essas tendências agravadas pelas mudanças climáticas ressaltam a necessidade urgente de estratégias adaptativas de gestão hídrica”, destaca Juliano Schirmbeck, coordenador Técnico do MapBiomas Água.
Amazônia abriga metade da superfície de água do Brasil
Mais da metade da superfície de água do país está na Amazônia: 62% do total nacional. Em 2023, o bioma apresentou uma superfície de água de quase 12 milhões de hectares ou 2,8% da superfície do bioma. Esse total representa uma retração de 3,3 milhões de hectares em relação a 2022. Em 2023, a Amazônia sofreu com uma seca severa: de julho a dezembro abaixo da média histórica do MapBiomas Água, sendo outubro a dezembro registrando as menores superfícies de água da série. "Houve isolamento de populações e mortandade de peixes, de botos e tucuxis", aponta Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.
Pantanal: o bioma que mais secou
Em relação ao tamanho do próprio bioma, o Pantanal foi o bioma que mais secou ao longo da série histórica do MapBiomas Água, que cobre o período entre 1985 e 2023. A superfície de água anual (pelo menos 6 meses com água) em 2023 foi de 382 mil hectares - 61% abaixo da média histórica. Houve redução da área alagada e do tempo de permanência da água. No ano passado, apenas 2,6% do bioma estava coberto por água. O Pantanal responde por 2% da superfície de água do total nacional.
O ano de 2023 foi 50% mais seco que 2018, que foi a última grande cheia no bioma. Em 2018, a água no Pantanal já estava abaixo da média da série histórica, que compara com os dados desde 1985. "Em 2024, nós não tivemos o pico de cheia. O ano registra um pico de seca, que deve se estender até setembro. O Pantanal em extrema seca já enfrenta incêndios de difícil controle", ressalta Eduardo Rosa, do MapBiomas.
Cerrado: recorde de superfície de água desde 1985
Em 2023 o Cerrado teve a maior superfície de água desde 1985: 1,6 milhão de hectares ou 9% do total nacional. Esse total é 11% acima da média histórica no bioma. O ganho de superfície de água se deu em áreas antrópicas, que ampliaram-se em 363 mil hectares – uma variação positiva de 56,4%. Os corpos de água naturais, por sua vez, perderam 696 mil hectares – queda de 53,4%.
Em 2023, os corpos de água naturais ocupavam 608 mil hectares do Cerrado ou 37,5% da cobertura de água do bioma e 9% do total nacional. Os 62,5% restantes ficaram divididos principalmente entre hidrelétricas (828 mil hectares; 51,1%) e reservatórios (181 mil hectares; 11,2%). "A partir de 2003, a área de superfície de água destinada à geração de energia e ao abastecimento dos centros urbanos superou a área de água natural no Cerrado. No entanto, esses reservatórios são abastecidos pelos corpos de água naturais que têm sido reduzidos nas últimas décadas", comenta Joaquim Pereira, do MapBiomas.
Caatinga registra aumento de superfície de água em 2023
Após um longo período de seca, que se estendeu por sete anos, resultando em uma das maiores secas do Nordeste, desde 2018 é possível observar uma tendência de acréscimo na superfície de água na Caatinga e a consolidação de um ciclo mais chuvoso no bioma. Com isso, 2023 registrou uma superfície de água de quase 975 mil hectares – 6% acima da média histórica e 5% do total nacional.
Um estudo do INPE/CEMADEN de 2023 identificou, pela primeira vez, uma área considerada árida no Brasil, localizada no bioma Caatinga, na bacia do São Francisco, no norte da Bahia. Ao analisar os dados do MapBiomas Água para o mesmo período (1990 a 2020), foi possível identificar também uma redução na superfície de água em 7 dos 8 municípios localizados na região do estudo supracitado.
"Com base nos dados de 2023, em geral, no bioma Caatinga, estamos em um período de consolidação de um ciclo mais chuvoso, o que garante maior disponibilidade hídrica nas regiões mais secas do território brasileiro. Todavia, é preciso atentar para a existência de problemas de secas localizadas e que, apesar do ciclo chuvoso, os dados evidenciam uma tendência geral de redução da superfície d'água, mesmo com o crescimento constante de reservatórios artificiais por todo o bioma", comenta Diêgo Costa, do MapBiomas.
Pampa tem menor superfície de água nos reservatórios da série histórica:
40% abaixo da média
Dez por cento da superfície de água do Brasil em 2023 ficam no Pampa: mais de 1,7 milhão de hectares ou 9,2% do território do bioma. A superfície de água dos reservatórios do Pampa apresentou área 40% inferior do que a média da série histórica. “Em 2023, o Pampa teve o primeiro quadrimestre mais seco da série histórica. Os quatro primeiros meses de 2023 estiveram entre os cinco meses mais secos da série”, comenta Juliano Schirmbeck. As cheias no Rio Grande do Sul, entre setembro e novembro, recuperaram a superfície de água no Pampa, mas ainda assim ela se manteve 2% abaixo da média histórica.
Mata Atlântica com os extremos chuvosos
A superfície de água na Mata Atlântica em 2023 ficou 3% acima da média histórica, superando os 2,2 milhões de hectares ou 12% e segundo lugar do total nacional. A água responde por 2% da superfície do bioma. “Em 2023 a Mata Atlântica registrou elevados níveis de precipitação em alguns municípios, levando a inundações em áreas agrícolas e deslizamentos”, acrescenta Fernando Paternost, do MapBiomas. A Mata Atlântica é o bioma com maior superfície de água antrópica, onde a área de superfície de água em hidrelétricas e em reservatórios é maior do que a área de superfície de água natural.
Foto divulgação: Ronivon Barros