– O cultivo de soja em áreas com a presença de polinizadores, como abelhas e vespas, tem uma produtividade aproximadamente 18% maior do que em locais sem esses insetos. O efeito é semelhante em culturas como café e laranja. Para que isso ocorra, porém, é preciso que as paisagens sejam multifuncionais, com áreas de vegetação nativa em meio a plantações e pastagens.
O exemplo, dado por Carlos Alfredo Joly, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é um caso bastante ilustrativo da importância dos serviços ecossistêmicos prestados pelos biomas brasileiros.
Só no caso da polinização, o valor desse serviço já foi estimado em US$ 11 bilhões, 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Como comparação, a produção de carne bovina contribui com US$ 12 bilhões na nossa balança comercial.
A ameaça e o preço da conservação desses ambientes foram tema da mais recente edição do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, realizado em 4 de novembro e transmitido on-line.
Segundo o pesquisador, os serviços ecossistêmicos são processos naturais dos ecossistemas, mas que têm como resultado algum benefício do qual podemos nos aproveitar economicamente e para melhorar nossa qualidade de vida.
“Existem alguns tipos de serviços ecossistêmicos, como os de regulação. As florestas são importantes para a regulação climática, da água e também de polinização, por exemplo. É um desses serviços que normalmente não se imagina como sendo de grande importância”, disse Joly.
“Outros são serviços de provisão, como fornecimento de alimento, madeira, biocombustíveis e recursos genéticos que podem ser explorados do ponto de vista comercial. Existem aqueles serviços culturais, que são muito importantes porque dão a alegria, a satisfação que se tem ao observar uma área bem preservada. E isso tem uma importância muito grande, inclusive do ponto de vista econômico”, afirmou.
“O Brasil é um país de megabiodiversidade, com biomas diferentes, Caatinga, Mata Atlântica, Pampa, Amazônia, Pantanal e Cerrado. E tem desafios enormes com relação ao que fazer com isso”, lembrou Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP e mediador do debate.
Reflorestamento
Para Pedro Brancalion, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), a sociedade brasileira nunca demandou tanto dos ecossistemas naturais para diferentes tipos de benefícios cruciais para a vida e o bem-estar.
Alguns exemplos são a qualidade da água, a prevenção de desastres naturais como enchentes, deslizamentos de terra e proteção dos solos e mesmo benefícios psicológicos.
“A população brasileira nunca demandou tanta interação com a natureza para controlar o estresse e uma série de outros problemas causados pela vida moderna”, apontou.
No entanto, pontuou, apesar dessa grande demanda, existe uma lacuna de oferta, pois cada vez mais tem-se reduzido a área de cobertura dos ecossistemas, prejudicando sua capacidade em prover benefícios.
“Então, além de conservar o que sobra, é fundamental que se ampliem a área e a qualidade dos ecossistemas nativos. E aí que surge a demanda de recuperarmos florestas, cerrados, campos nativos em áreas que já foram convertidas para usos alternativos do solo”, contou.
Segundo o pesquisador, o desafio é grande. Não apenas em São Paulo, cujo programa Refloresta SP https://semil.sp.gov.br/sma/programa-refloresta-sp/ prevê a restauração de 1,5 milhão de hectares de floresta até 2030.
No âmbito federal, está em curso o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que prevê a recuperação de 12 milhões de hectares de florestas até 2030, no escopo da Década da Restauração de Ecossistemas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo Brancalion, por mais que se tenha avançado em métodos eficientes para a restauração de florestas, a atividade ainda apresenta custos proibitivos para muitos produtores, como algo em torno de R$ 30 mil por hectare.
“Precisamos tornar o processo de restauração mais eficiente, mais barato e, nesse sentido, é fundamental que tenhamos investimento em ciência e tecnologia para que esses modelos de restauração se desenvolvam”, disse.
Cerrado
Enquanto muito se avançou na defesa da Mata Atlântica, Gilselda Durigan, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), lembrou que a degradação do Cerrado foi tão rápida que nem sequer houve tempo de a legislação defendê-lo. Hoje, o Estado de São Paulo conta com apenas 3% de sua cobertura original de Cerrado. Somados outros Estados, estima-se que a área do bioma hoje corresponda a apenas 30% do que já foi.
“Este bioma existe por condições muito peculiares, como seca prolongada, em que os incêndios são naturais e existem há milhões de anos. Plantas e animais se adaptaram à passagem do fogo e alguns precisam dele para se desenvolver adequadamente. Isso é muito difícil para a maioria das pessoas entender. Então, demorou muito para se perceber o valor disso tudo”, disse a pesquisadora, lembrando que a biodiversidade do Cerrado é tamanha que já se chegou a encontrar 35 espécies de plantas em um único metro quadrado.
Por isso, quando se trata de restauração, os conhecimentos ainda são insuficientes. “Restaurar um ecossistema que requer solo pobre, não quer nutrientes, que vai precisar de uma estação seca para ter um choque e começar a brotar, e que tem que ser adaptado ao fogo depois de restaurado, é algo que estamos longe de saber fazer”, afirmou.
Por conta disso, contou, o que se tem visto são proprietários e mesmo prestadores de serviço que se propõem a fazer restauração replicando no Cerrado o que é feito para florestas. “É um desafio gigantesco e a percepção de que estamos perdendo a savana brasileira, o Cerrado, é muito incipiente”, disse.
Segundo Durigan, tem-se discutido bastante os custos da restauração, mas muito pouco o seu preço. “No Brasil, diferentemente de outros países, a conta tem caído em cima do proprietário rural, enquanto no resto do mundo se entende que a restauração tem um custo altíssimo, para o benefício de toda a sociedade e, por isso, deveria ser dividido entre todos”, concluiu.
O evento foi apresentado por Agnes Sacilotto, diretora-presidente do ILP.
O debate “Biomas Brasileiros Ameaçados: o preço da conservação” pode ser assistido na íntegra em: https://youtu.be/ii70f4nW9tI.
André Julião Agência Faspesp